Ninguém me desafiou a postar fotos da minha maternidade feliz nas redes sociais. Também nem seria um desafio, pois eu sempre postos muitas e muitas fotos mostrando momentos felizes que me fazem amar ser mãe. Eu, minhas amigas, amigas das amigas, quase todas as mães fazem isso. Não é nenhum desafio postar foto feliz. E, se acha legal fazer isso, faça, é legal fazer.
O desafio é reconhecer que são muitas dores junto com as delícias da maternidade. Muitas, tá? Eu comparo maternidade com a minha academia matinal e com minhas idas à depilação. Dói, a gente sofre, muitas vezes a gente não quer, cansa, às vezes enche o saco, às vezes dói bem mais que na vez anterior, dá vontade de parar no meio, dá vontade de sair correndo, a gente fica se arrependendo de não estar em casa dormindo em vez de estar lá sofrendo. Mas depois o resultado é ótimo, faz bem pra saúde, me deixa feliz, me acho mais bonita e eu volto.
Eu amo ser mãe mas tem vários momentos em que eu desejo não ser mãe. Não tem nada a ver com meus filhos. Mesmo quando eles estão encapetados com o diabo no corpo, eu nunca desejo não ser mãe porque, sei lá, acho que essas coisas fazem parte. Odeio, mas acho que fazem parte. Pra mim é diferente: eu desejo não ser mãe em situações onde eu acho que meu mundo seria bem mais fácil sem eles. Vou contar alguns exemplos recentes (tudo em uma semana só).
- Essa semana cheguei um dia em casa num calor e num cansaço tremendo e pensei em jantar pipoca com cerveja. Queria um treco bem salgado com algo bem gelado sem muita sujeira na cozinha. Mas eu tive que lidar com arroz, feijão, alho, cebola, temperos, quiabo, farinha de mandioca, <alguma outra coisa que não lembro>, manga cortadinha e suco. Queria não ser mãe neste dia.
- Estamos
sofrendopassando por uma reforma no banheiro da suíte por causa de um vazamento. A obra é no banheiro, mas o pó voa por todo o quarto, então tivemos que desocupar todo o meu quarto (incluindo o que estava no armário, que não é tão vedado assim) e o banheiro para os moços trabalharem. Virou caos, né? Chego em casa com aquela imundice e tem duas crianças espalhando mais ainda o pó. E precisei colocar os dois para dormir no mesmo quarto (já que fui deslocada também) e eles começaram a dormir mais tarde, acordar no meio da noite e levantar mega cedo por motivos de bagunça-com-qualquer-novidade. Queria não ser mãe durante reforma de banheiro. - Tinha um trabalho para entregar segunda de manhã e não terminei na sexta-feira até o horário de eles chegarem da escola. Coloquei pra dormir e segui trabalhando sexta à noite, mas não terminei. No final de semana eu tinha que trabalhar e não tinha negócio. É óbvio que eles já conseguem se concentrar para assistir um filme de duas horas, mas não é quando eu quero, é só quando eles querem, e ninguém quis ver filme pra mamãe poder fazer slide. E eles lá naquela energia toda e eu só pensando que ia me f#*$&*$%&$* e trabalhar a madrugada toda depois que eles finalmente dormissem. Queria não ser mãe neste final de semana.
- Tenho uma aula daqui duas semanas e não acho UM ÚNICO SER VIVO nesta cidade que fique com eles neste dia (na amizade, tá, que eu sei que posso pagar babá folguista mas nos últimos tempos babá folguista custa mais do que eu ganho). Queria não ser mãe no dia da aula.
Enfim. Tô dizendo tudo isso porque é muito triste ler o julgamento que as pessoas fazem a uma mãe que faz um desabafo com relação a maternidade. “Por que não dá seu filho para adoção?”, “na hora do sexo foi bom, né?”, “devia tomar antidepressivo”, “só engravida quem quer”, “você devia saber como evitar um filho”. Gen-te-do-céu. Parem com isso.
A gente precisa aprender a acolher. Uma das coisas que a maternidade me ensina é a acolher, mesmo que no primeiro momento eu ache que o problema do outro é irrelevante. Explico: é muito comum uma das crianças vir chorando na minha direção com um problema que parece bobo (brinquedo quebrou, não acha alguma coisa, o irmão não quer fazer alguma brincadeira). Eu aprendi nestes anos como a mãe a não subestimar a tristeza deles, mesmo que dê vontade de dizer “ah, que bobeira, deixe de ser bobo e vá fazer outra coisa”. Eu entendi que o mundo deles é brincar e que qualquer coisa relacionada a isto que dá errado chateia muito. E que é muito legal da minha parte acolher, ouvir, tentar ajudar a resolver ou ajudar a encontrar alternativas. Eu, no mínimo, dou um abraço.
Então, galera, mesmo que a gente não entenda o quão difícil pode ser um bebê de dois meses (eu, por exemplo, não sei) ou mesmo que a gente tenha achado super simples e fácil ter um recém-nascido, é legal acolher a mãe que está desabafando porque tá difícil pra ela. Ajuda, sabe? A gente não precisa resolver os problemas dos outros. Apenas acolher os problemas dos outros já faz a humanidade ser melhor.
Ruri, concordo integralmente com seu texto. Muito lúcido, inclusive. Eu fiquei boba de ver os absurdos dito à moça. A gente realmente vive numa sociedade que não sabe e nem quer acolher as diferenças, os diferentes. Triste.
E força pra nós mães, nos dias bons e nos ruins também. 😊😊😊
Olá Ruri bom dia! Acompanho seus depoimentos e acho super válidos. Estamos na fila da adoção há exatos 2 anos e 6 meses e claro que com a morosidade de nosso país não sei não se essa espera ainda não será longa. O que me ajuda demais são suas histórias, sempre que leio fico me imaginando passando por situações semelhantes e caio no riso. Obrigada por compartilhar esses momentos.
Grande beijo.