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Como faço para viver sem carro

Não pretendo convencer ninguém. Eu mesma ensaiei essa ideia durante anos, mas só fiquei sem carro quando mudei de emprego e a empresa me pediu gentilmente para devolver o carro. Antes eu tinha só vontade, mas continuei firme e forte com carro na garagem por muito mais tempo que eu queria.

Toda vez que digo que estou sem carro há mais de um ano com duas crianças pequenas – e, não, meu atual marido também não tem carro – as pessoas me fazem muitas perguntas sobre logística. Com vocês, as respostas!

  • Como você faz com a escola? Eles vão e voltam de perua na maioria dos dias, mas a escola é muito perto de casa, então fazemos muito o percurso a pé também. (by the way, escolher uma escola perto de casa foi uma das melhores decisões neste assunto, já que já tive três empregos diferentes desde que eles chegaram e nunca precisei mexer na rotina deles). Se por acaso estiver chovendo muito e eu não quiser usar a perua (às vezes atrasamos de manhã ou eles voltam mais cedo), pego um taxi e gasto uns R$ 6 ou R$ 7, no máximo.
  • Como você faz supermercado? De formas variadas. Frutas, legumes, verduras, farinhas e grãos são pedidos pela internet e chegam em casa. Compro aqui, aqui e aqui (acho a oferta de orgânicos e produtos naturais bem melhor nesses sites que em lojas físicas). Se falta algo, tem um supermercado “de bairro” a uma quadra de casa e vou a pé, com meu carrinho de feira para ajudar com o peso. Tem um Pão de Açúcar a umas quatro quadras e também vou até lá a pé com o carrinho quando preciso de algumas coisas que não acho no mercadinho (o leite dos meus filhos, por exemplo, só encontro lá). Aos domingos tem feira a quatro quadras também, mas não tem muito orgânico. Quando resolvo ir à feira, vou a pé com o carrinho. Quando preciso comprar coisas volumosas e pesadas (tipo produtos de limpeza e caixa de fralda), também peço pela internet aqui. Se estiver chovendo, deixo o supermercado para outra hora, já que a maioria das coisas são entregues em casa, então nunca estou com a dispensa zerada. Em situações bem especiais, alugo carro, mas isso só aconteceu uma vez esse ano, no aniversário deles. Nós fizemos uma pizzada caseira e eu tinha que comprar muita coisa e queria escolher as coisas pessoalmente. Aluguei um carro para fazer o supermercado, e usei o carro para carregar os itens de decoração da festinha (que foi na casa do meu pai) e para trazer os presentes que eles ganharam.
  • Como você faz outras compras? Eu uso muito internet, porque é mais prático. Vinhos, ração do cachorro, acessórios para bicicleta, coisas para as crianças, coisas para casa, revelação de fotos, tudo o que dá faço pela internet. Também não sou de entrar em um shopping, fazer muitas compras e sair de lá carregada de sacolas. Em geral, se compro alguma coisa em loja física, consigo carregar a sacola ou guardar na mochila. Uma única vez este ano aluguei um carro para fazer compras, quando fomos comprar acessórios de camping para as crianças e uma persiana para casa (peguei o carro de manhã, passei nas duas lojas, deixei tudo em casa e devolvi em seguida).
  • Como você faz para viajar? Quando viajo de avião, não preciso de carro, principalmente porque as diárias dos estacionamentos dos aeroportos são muito caras. Vou de transporte público até lá (um ônibus até Congonhas ou metrô + um ônibus até Guarulhos). Aliás, super recomendo o metrô e ônibus até Guarulhos, economiza um bom stress no trânsito e sai menos de dez reais. Com muitas malas ou muitas crianças, às vezes pego taxi. Para viagens via estrada, alugo carro. Qual tipo de carro, depende. Às vezes alugamos um carro menor se vamos só os adultos, alugamos carros maiores quando vamos com as crianças, alugamos carros maiores ainda se queremos levar as bikes. Depende do que vamos fazer. Ah, mas não é muito difícil alugar carro? Não. Tem locadora de veículos em quase todos os shoppings e tem algumas lojas de rua. Eu já viajei com um taxista também (uma pessoa que conheço há anos e em quem confio muito na direção). Fiz as contas e vi que sairia mais barato ir com ele do que alugar um carro e deixá-lo parado no hotel durante cinco dias.
  • Como você faz para levar as crianças no médico? Metrô e/ ou ônibus. Se estiver caindo um temporal, taxi. Se for de madrugada, vou pedir taxi pelo aplicativo. Neste ano, só uma vez eu precisei levar criança para o pronto-socorro correndo, umas 23h. Se a criança estiver morrendo, vou chamar uma ambulância. Se não achar taxi e realmente precisar levar para o hospital numa situação de emergência horrorosa, aí, gente, eu vou acordar o vizinho e pedir o carro emprestado. Tenho certeza que ele vai entender. Não preciso ter um carro na garagem só esperando o caos acontecer.
  • Como você faz para passear aos finais de semana? Metrô e/ ou ônibus. Às vezes, carona. Às vezes, taxi. Às vezes, carro de aluguel (sei lá, pensei nisso agora, se eu quisesse ir ao Simba Safari, alugaria um carro). Na maioria das vezes, consigo usar transporte público para as coisas que queremos fazer nos finais de semana (almoçar na minha vó, visitar meu pai, ir ao cinema, jantar fora).

E a última pergunta de todas: isso tudo não sai muito mais caro?

Não. Já fiz as contas, eu gasto menos dinheiro. E, no meu caso, ainda vivo menos estressada, porque eu realmente não gosto de trânsito, de motoristas estressados e de gente mal educada dirigindo. Eu gasto menos dinheiro porque eu priorizo transporte público sempre (ou caminhadas ou bicicleta). Se alguém pretende vender o carro para andar de taxi o tempo todo e alugar carro todo final de semana, talvez isso seja bem mais caro. A conta depende do estilo de vida de cada um.

O ponto aqui é que dá para viver sem carro. Ninguém precisa ter um carro como se fosse uma necessidade básica, as pessoas simplesmente escolhem ter carro (e, não, não há nada de errado em escolher ter um carro).

São escolhas. Se alguém tentasse me convencer por A + B que eu gasto o mesmo dinheiro com transporte público, taxi e aluguel de carro, eu ainda assim continuaria sem carro. Porque foi uma escolha.

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Exemplos de vida simples

Conversa com o porteiro:

– Ruri, não estou achando sua convocação aqui para a próxima reunião de condomínio. Estou entregando para todos os moradores e não acho a sua.

– Ah, eu sou inquilina, não sou convocada. Deve ter ido direto para o proprietário.

Parênteses 1: odeio reunião de condomínio. Só ia em reuniões de condomínio quando eu era proprietária de um apartamento porque fazia questão de votar contra despesas extraordinárias desnecessárias, tipo reformar academia do prédio, aquecer a piscina, construir uma pista de kart e tal – aquelas coisas que não usava, que era obrigada a pagar e que não ajudaram a valorizar nadinha o imóvel na hora de vender. Sempre saía com menos fé na humanidade quando ouvia discussões ridículas de vizinhos brigando por carros na garagem ou cachorros nos elevadores.

– Puxa, mas essa reunião é muito importante. Vão decidir as vagas da garagem. Se quiser, eu posso conversar com o síndico para você participar.

– Ah, obrigada, se precisar, te falo!

Parênteses 2: não tenho carro. Minha bike cabe em qualquer vaga de garagem e não tenho dificuldade para manobrar. Tanto faz esse sorteio de vagas de garagem, gente.

Isaac e Ruth, mamãe quer muito que vocês saibam que esses sonhos de “casa própria” e “ter um carro” só complicam a vida da gente. Sejam simples.

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Nossa vida sem carro

Eu comemorei, tá? Quando me dei conta que estava há mais de um ano vivendo sem carro, comemorei.

Óbvio que ninguém que vive em São Paulo gosta de trânsito, eu nunca gostei de trânsito. Mas trânsito passou a ser um stress na minha vida depois que virei mãe. Antes disso, eu vivia nos meus horários “alternativos”, entrando no trabalho depois das 10h e saindo de lá depois das 23h e nunca-jamais-de-forma-alguma saía na rua às 18h. A maternidade traz horários e compromissos rígidos e intransferíveis e o trânsito paulistano passou a me enlouquecer. Quando digo enlouquecer, é no sentido literal.

Sem carro, eu passei a viver uma vida sem trânsito. Com isso, eliminei uma das coisas que mais me estressavam e passei a viver mais leve.

Há um tempo atrás, escrevi aqui no blog que o transporte público em São Paulo não funcionava e que eu invejava pessoas que moravam em cidades onde era possível se locomover de bicicleta. São Paulo, me perdoa. Você tem muitos problemas e há, sim, oportunidades de melhoria no transporte público e nas ciclovias, mas andar de ônibus, metrô e bike em São Paulo é mil vezes mais feliz que enfrentar o trânsito de carro. Experiência própria.

Em um ano, nem uma vezinha sequer eu lamentei não ter carro. Moro a duas estações de metrô de um shopping onde tem uma locadora de veículos. Aluguei carro algumas vezes para viajar e duas vezes para fazer coisas na cidade (compras grandes e transporte de coisas desajeitadas). Nos últimos meses, comecei a evitar ao máximo o taxi, por uma questão de $, que a coisa não tá fácil pra ninguém. Depois criei coragem para começar a usar a bicicleta na cidade. Eram dois medos: assaltos e atropelamentos. O medo de assaltos foi resolvido com um seguro e o medo de atropelamentos não foi resolvido, mas capricho nos acessórios de segurança e enfrento. Levo criança na garupa (uma de cada vez, pois só aguento uma cadeirinha na bike) para fazer coisas pelo bairro, porque fui presenteada com uma ciclovia a 150 metros de casa. Quando estou sozinha, vou mais longe e considero bicicleta uma alternativa ao metrô e ônibus.

E o que isso tem a ver com maternidade, já que tenho um blog para falar sobre maternidade? Não ter carro mudou muito nosso estilo de vida e acho que meus filhos amadureceram e aprenderam muito com esse nova vida sem carro.

Primeiro, eles entendem bem a cidade onde vivem. Sabem andar na rua e atravessar a rua com segurança. Conhecem as faixas destinadas aos ônibus, as ciclovias, a faixa de pedestre, as preferenciais. Sabem que os semáforos para pedestres fecham muito rápido e é preciso andar rápido e prestar atenção. Sabem que, mesmo com o semáforo fechado, alguns motoristas precisam tirar a mãe da forca e é preciso sempre olhar para os dois lados. Conhecem bem as estações de metrô e os pontos de ônibus e sabem o que precisam fazer para pagar, para pedir para descer do ônibus ou como esperar o metrô atrás da faixa amarela. Há pouco tempo eu estava de papo com um adulto que vive em São Paulo e que não sabia o que era o Bilhete Único. “Mas dá pra pagar em dinheiro se eu quiser?” – ele também não sabia que tinha cobrador no ônibus. Também não sabia como fazer para descobrir que linha pegar (nunca tinha visto as rotas via transporte público no Google Maps), nem o preço (só sabia que as pessoas reclamaram do aumento de R$ 0,20), nem nada. Isso não é uma crítica a quem nunca entrou num ônibus; meu sentimento foi só um super orgulho dos meus pequenos, que já poderiam explicar como se faz para pegar o metrô ou o ônibus para ele.

Em segundo lugar, eles não são telespectadores da cidade. Andando apenas de carro – porque quando a gente tinha carro era de carro que eles iam pra escola, pro parque, pra casa da vó etc. – eles viam o mundo através de uma janela com insulfilme. Hoje eles estão inseridos e fazem parte do mundo que rola do lado de fora dos carros. Passam a centímetros de distância de moradores de rua e vendedores ambulantes, olham de perto o movimento de carros, ônibus, bicicletas e pedestres, passam perto das vitrines das lojas de rua, cruzam com pessoas, sentem o cheiro, ouvem o barulho. Estão dentro de trens lotados no horário de pico, estão embaixo do guarda-chuva quando está chovendo, estão parados no ponto enquanto o ônibus demora.

Sem carro, eles dividem vagões com pessoas diferentes. E aprendem que as pessoas são diferentes umas das outras em diversos aspectos. Eles não conseguiam ver toda essa diversidade apenas nos lugares que estão na rotina deles. Porque é assim, ó: a escola tem um preço e a maioria das famílias tem uma renda parecida para estudar lá, além de morarem na mesma região. A gente freqüenta shoppings perto de casa ou onde estão as lojas que a gente gosta, como todas as outras pessoas que estão lá. O resort das férias também diz muito sobre a renda das famílias, assim como o clube e as atividades extracurriculares. Andar na rua fora da lata do carro é muito diferente.

E, dividindo o transporte com pessoas diferentes, eles aprendem a respeitar e conviver com estas pessoas, o que vai muito além de levar um brinquedo na escola toda sexta-feira para aprender a emprestar pro amiguinho. Eles aprenderam a dar licença, a pedir licença, a esperar as pessoas desembarcarem antes de entrar no metrô, a ceder o lugar para pessoas que precisam se sentar mais que eles, a recusar assento que nos oferecem quando vamos descer logo, a não empurrar e não chutar as outras pessoas (mesmo que isso seja sem querer), a se desculpar.

E, por fim, estão acostumados a bater perna. Acontece muito de precisarmos andar 1k de um lugar para outro e eles acompanham numa boa. E isso foi genial quando fomos acampar e fazer trilhas, porque eles subiram morros super bem.

Há pouco tempo li ou ouvi a história de uma mãe (não me lembro se foi um texto ou uma conversa de bar) que levou os filhos para algum lugar na Europa nas férias e que ficou incomodada com o comportamento das crianças no metrô e nos trens por lá. Ela dizia que seus filhos não conseguiam respeitar a faixa amarela, que ela precisava ficar segurando bem firme as mãozinhas para que eles não fugissem, que precisava chamar atenção deles o tempo todo, enquanto as crianças europeias estavam tranquilas respeitando a sinalização e seus pais, sem precisar de nenhum “Marie, fait-pas ça!!!”. O que acontece aí não é uma diferença entre nacionalidades, apenas. A diferença está no estilo de vida que as famílias levam e na forma como expõe seus filhos ou não ao mundo.

Então é isso. Menos carro, menos trânsito, menos stress, mais participação, mais diversidade, mais amor.

andré dahmer

Tirinha de André Dahmer, que copiei daqui ó

PS: não compro contra-argumentos dizendo que andar de carro é uma questão de segurança em São Paulo. Sequestros-relâmpagos, armas na janela e carros roubados com bebês na cadeirinha no banco de trás são violências bastante assustadoras para crianças e para os pais. Moro em uma cidade com problemas claros em relação à segurança e isso afeta tanto quem anda de carro quanto quem não anda de carro.

PS2: este post não é informe publicitário do Haddad e nem tenho a pretensão de iniciar uma discussão do tipo fla-flu sobre partidos. Então não vale dizer que ciclovia na subida é um absurdo e que bom mesmo é investir dinheiro na PM.

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Relato da melhor viagem de todos os tempos

Eu achava que hotéis-fazenda e resorts eram o maior mico paulistano para férias e que jamais entraria em um desses, mas paguei a língua. Em julho do ano passado, quando as crianças tinham 3 anos, não consegui pensar em nada mais divertido e que não fosse me deixar muito estressada. Fomos para um hotel-fazenda em Socorro – SP porque achei que era fácil.

Foi uma delícia, porque tinha muita coisa para eles fazerem mesmo com a pouca idade: passeios a cavalo (acompanhados por tios que iam a pé ao lado deles), passeios de charrete, passeios de triciclo (com a mamãe pedalando), passeios de trator, bichinhos para alimentar com ração, mini-tiroleza, pedalinho, parquinho. Só a piscina ficou de fora, porque fomos no inverno. Eles não podiam ficar com os recreadores porque era muito novinhos, então passamos os dias juntos. Gostei. Foi legal.

No Réveillon, eu queria tudo fácil de novo, então escolhi um ecoresort em Mairiporã, a uma hora de São Paulo. Neste hotel, a recreação recebia crianças a partir de três anos. Das 10h às 18h eles tinham atividades junto com os tios: brincadeiras, piscina, pedalinho, oficinas, filminho. Às 18h eles devolviam as crianças e pegavam de volta às 19h30 para jantar e para mais uma atividade noturna. Durante os cinco dias, me esbaldei. Tirei férias. Joguei tênis, andei de bike pela estrada de terra em volta do hotel, fiz stand-up paddle na represa, corri, li, dormi na rede. Depois das 18h ficávamos juntos para jantar e nanar, porque achei que recreação até 22h para crianças de três anos era muita coisa e eles precisavam descansar. Fizemos algumas atividades juntos, mas eles gostavam mesmo era de ficar com as outras crianças e com os tios. Quando chegou o Carnaval, tive preguiça de novo de pensar e fomos para o mesmo hotel. Mesmo esquema, mesmos recreadores, eles adoraram de novo. Mas eu fiquei beeeeeem entediada. Esse esquema piscina de hotel, restaurante de hotel e atividades do hotel realmente não é para mim. Além do mais, eu tirava uns dias com meus filhos e quase não via meus filhos.

No último feriado, eu quis fazer alguma coisa que fosse realmente especial com eles. Resolvi parar de ter preguiça e levei os dois para acampar, que é uma das formas que mais gosto de viajar. Preparamos tudo antes: eles ganharam uma barraca, saco de dormir, tênis de caminhada, mochila, capa de chuva. Pesquisei bastante o lugar e acertei na mosca. Queria um parque nacional, com muito mato e trilhas, mas também um camping com alguma estrutura para o caso de algum pânico. Fomos para São José do Barreiro, na região da Serra da Bocaina, e acampamos num lugar fofo demais no meio das montanhas.

Montamos as duas barracas, uma para crianças e uma para adultos, embaixo de uma árvore e nossa mesinha ficou ao lado delas – nela fazíamos as refeições e as crianças a usavam para brincar também. Muita gente me perguntou se não tive medo de deixar os dois sozinhos em uma barraca. Gente, não. Minha barraca estava a 30 centímetros da barraca deles, eu conseguia ouvir eles se mexendo lá dentro. Para sair da barraca, eles precisariam abrir três zíperes e eu com certeza iria ouvir. Até porque eles dificilmente iriam ter a ideia de sair da barraca no meio da madrugada sem antes conversar um com o outro, dar risadinhas e planejar a fuga – e eu iria acordar com essa movimentação. E, por fim, se em casa, onde temos luz elétrica e eles conhecem bem o lugar, dificilmente eles saem do quarto no meio da noite, não tinha porque achar que eles iriam andar no barro e no breu no camping. Nem cogitaram. Na primeira noite, ficaram eufóricos com a novidade e demoraram para dormir; nos outros dias, mal eu fechava o zíper já ouvia os suspiros de sono e eles não falavam uma palavra um com o outro, tamanho era o cansaço dos dias cheios de novidades.

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Os mocinhos dormiram em sacos de dormir sobre os isolantes – sem travesseiros, edredons ou bichos de pelúcia – e tomaram banho em banheiros coletivos. Toda água que usamos para cozinhar e para beber vinha de uma bica de água mineral que havia no camping, e eles eram responsáveis por encher as próprias garrafas (obviamente, viviam molhando a roupa também). Levei comida para os quatro dias e fizemos todas as refeições (café da manhã, almoço e jantar) ao lado das barracas – o camping tinha um restaurante, que seria o back up para emergências, mas não comemos lá nenhuma vez.

No primeiro dia, fizemos uma trilha de cerca de 1,5k até uma cachoeira, a partir do camping. Preciso dizer que nossa vida sem carro os ajudou muito, porque estão acostumados a andar bastante e aguentaram bem as subidas. Eles quiseram entrar na água congelante da cachoeira e amaram.

Trilha

Cachoeira da Usina

No dia seguinte, fomos até o parque nacional, que fica a uns 30k do camping. O carro ficou na portaria e andamos 1,5k até a primeira cachoeira. Foi muita fofura numa manhã só. Cada um deles tinha sua mochila com sua garrafinha de água e caminhamos sem pressa nenhuma, conversando sobre os cogumelos, sobre as árvores, sobre o céu azul lindo demais, sobre os brotinhos de plantas, sobre os passarinhos. A volta foi um pouco puxada porque já estava na hora do almoço, e a Ruth sofreu um pouco com o cansaço. Tínhamos levado o fogareiro e almoçamos macarrão sentados na grama. Depois eles colheram pinhões, que cozinhamos no camping para o lanche da tarde.

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Parque nacional da Serra da Bocaina

No terceiro dia, fizemos a mesma trilha que saía do camping, mas passamos a cachoeira e fomos até o alto da montanha. Aí eu morri de orgulho dos meus aventureiros, que encararam subidas que muito adulto não encara, não. Na volta, paramos para um merecido banho de água fria para refrescar.

Subida

Trilha

Nesse mesmo dia, subimos de volta até o parque nacional para ver o pôr-do-sol. E, no dia seguinte, acordamos cedo para ver o sol nascer atrás das montanhas e desmontamos tudo para voltar para casa.

Por do sol

Por do sol

Foi a viagem mais incrível que fiz nos últimos tempos. Ficamos muito juntos e eu fiz com eles algo que realmente gosto de fazer. Os dois foram companheiros, aventureiros, curiosos e curtiram demais. Na segunda, quando fui buscar na escola, a diretora veio me dizer que nunca tinha visto os dois tão felizes, que tinham falado da viagem o dia inteirinho, e eu fiquei mais feliz ainda.

Só para fechar: a conta do camping saiu R$ 290 para quatro pessoas e quatro dias, já inclusas todas as cervejas que comprei no bar. Cada um dos hotéis que ficamos antes custaram alguns milhares de reais. Com budget menor, multipliquei por 10 meus planos de viagens com eles esse ano agora que sei que gostaram tanto de dormir no meio do mato!

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Toma essa bronca

Isaac contando uma história:

– Tio, hoje eu estava no ônibus com a mamãe e conhecemos um moço que não enxerga. Aí ele segurou no braço da mamãe e ajudamos ele a chegar no metrô. A gente ajudou o moço porque ele teve um dodói no olho e não consegue mais enxergar.

– Que legal, Isaac! – naquela empolgação.

– Claro que não é legal. Como legal? Não pode achar legal que o moço ficou dodói e não enxerga mais. Que feio!

Hahahaha. Isaac, maior amor dessa vida.

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Levanta

– Mamãe, não senta aí, não, é pros velhinhos.

Ruth me fazendo levantar de uma cadeira não-preferencial no metrô e me fazendo viajar em pé. ❤

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Rodízio

“Eu não posso fazer esta reunião porque é meu rodízio”. Quem já ouviu essa pérola no mundo corporativo põe o dedo aqui.

O que isso tem a ver com um blog sobre maternidade? Que eu tenho certeza que existem variações como “eu não posso te levar na natação porque é meu rodízio”, “você não vai na festa do Miguel porque é rodízio” ou “atrasei muito por causa do rodízio”. E aí a gente começa a colocar uns conceitos muito esquisitos na cabeça das crianças.

Precisamos deixar claro: ninguém tem rodízio. Nenhum ser humano tem rodízio. Quem tem rodízio é o carro. O carro não pode andar por aí em determinados dias e horários, mas você sempre pode. Se o carro não pode ir, ele fica, mas você vai. Deixa o carro e vai. Usa transporte público, taxi, caminha, pega uma carona, aluga um carro, mas vai. Só não fica ensinando para as crianças que vivemos colados em nossos carros e não vamos onde eles não podem ir. Please.

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Simplifica

Há mais de um ano eu só penso em trabalhar menos. Eu gosto de trabalhar, não nasci pra ficar em casa e cuidar dos filhos em tempo integral, mas justamente por causa deles eu quero trabalhar menos. Não sei quão menos, mas certamente bem longe do modelo CLT de 40 horas semanais. Oito horas por dia de segunda a sexta é tempo demais. Isaac e Ruth merecem mais de mim.

E o primeiro passo desse plano foi reconhecer que trabalhar menos significa ganhar menos. Pra ser justo, né? A não ser que eu ganhe na loteria, mas para isso eu precisaria jogar na loteria, e nunca jogo. Então a alternativa é ganhar menos. E, para ganhar menos e continuar a nos divertir, eu fiz um plano de simplificação da vida. Um plano de desapego.

Primeiro foi o carro. Eu tinha carro da empresa, mas os custos de combustível, estacionamento, multas e algumas manutenções eram meus. O stress do trânsito também era meu. Quando mudei para uma empresa que não tinha esse benefício, desapeguei. Deleite da minha planilha de controle de despesas as linhas: combustível, estacionamento, lavagem, multas, IPVA, seguro, manutenção.

Falta de carro me levou a desapegar dos sapatos de salto. Sapatilha custa um pouco menos que scarpin, mas o ponto aqui não é o custo. É a agilidade e a não preguiça. Quando a distância é curta, eu ando.

Depois foi a TV a cabo. Aquela que estava instalada na sala e no quarto e que nunca era acessada. Foi embora, coitada. Fiquei só com a Internet, o iTunes e a Netflix. TV em casa é só on demand, e o custo é menor.

Aí veio a mudança de casa, onde desapeguei de duas coisas em uma única tacada: a casa própria e o espaço extra. Vendemos nosso apartamento e fui morar com as crianças em um apartamento alugado que é 30% menor. Tem o espaço que precisamos e nada mais. Perdendo espaço, deixamos para trás as tralhas. Vendi e doei muita coisa. Não temos mais jogos imensos de pratos, talheres e taças, não tem eletrodoméstico encostado, não tem roupa que não usamos mais, não tenho mais 80 pares de sapatos, vendi grande parte dos livros, porque não cabe. Para comprar mais coisas, penso no que vou doar para caber. Tô mais leve.

O aluguel também me livrou de uma parcela do financiamento lotada de juros, de despesas extraordinárias do condomínio (sabem aquela reforma na academia que aprovam na reunião e que custa XXX reais por mês a mais no condomínio? eu não tenho nada a ver com isso), de alguns custos de manutenção que são responsabilidade do proprietário (infiltrações, por exemplo). Também nos deixou mais flexíveis para mudar de casa se precisarmos. Demorei um ano para vender o apartamento e fiquei um pouco traumatizada. Se para simplificar ainda mais eu quiser morar mais perto do trabalho um dia, é só agendar a mudança.

O desapego mais recente foi da empregada doméstica mensalista que vinha todos os dias. Trabalhando fora e com duas crianças, eu achei que não dava para viver sem. Achava ele iria me matar sem uma dessas. Mas não. Hoje temos só a babá e ajuda esporádica: sem nenhuma frequência definida (às vezes 7 dias, às vezes 10) eu chamo uma empresa de limpeza e pago por hora a limpeza pesada e passar roupas. O resto eu faço: arrumo as camas, mantenho a cozinha limpa, coloco as roupas para lavar, rego plantas. Eu, não, nós. Nessa história, as crianças ganharam responsabilidades de habitantes da casa: esticam o edredon de manhã e arrumam os bichinhos de pelúcia, levam a roupa suja no cesto, recolhem comida que cair no chão, ajudam com a roupa na máquina, guardam suas roupas e sapatos no lugar. Agora eles mesmos me falam: “a gente não tem mais ajuda e temos que deixar nossa casa limpa, né, mamãe?”. Isso. Eu também estou reaprendendo que, se deixar o tênis da academia na sala, ele vai estar lá quando eu voltar do trabalho. E também estou feliz por estar ensinando dois pimpolhos a serem bons roommates no futuro.

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Haddadinha

Metrô, 7h da manhã, lotado, calor. Mãe indo trabalhar, levando a filha junto para uma consulta.

– Mamãe, eu não gosto de carro. Eu só gosto de metrô e ônibus!

– É mesmo, linda? – me mata de orgulho essa criança.

– É. Porque não tem cinto. Cinto dói.

Opinião linda, motivo errado. 🙂

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Não tem carro

– Mamãe, por que você não tem mais carro?

Impressionante, né? O Espírito Paulistano tá no sangue. A criaturinha não fez nem 4 anos e estranha o fato de a mãe não ter um carro. Vira e mexe um deles vem me perguntar por que não temos carro ou se vou comprar outro carro.

Filhos, não, não vou comprar outro carro. Não ter carro era uma coisa aspiracional, um desejo distante, que eu achava ser possível de realizar. Principalmente em São Paulo. Principalmente com duas crianças pequenas. Principalmente solteira. Mas eu consegui. Nós conseguimos! Uhu!

Morro de orgulho de mim mesma porque estou há 5 meses completinhos sem carro, vivendo sem carro, não desejando um carro, detestando a ideia de voltar a ter carro, feliz da vida porque eu sei viver sem carro.

Sabem o que acontece? Vamos lá:

  • Sabem o preço do combustível? Pois é, nem eu.
  • Sabem aquele motorista folgado que embicou o carro na vaga de estacionamento na sua frente enquanto você aguardava pacientemente? Nem eu.
  • Sabem aquele juquinha que te fechou e ainda xingou todas as suas gerações? Também não sei.
  • Sabem aquele trânsito infernal em dias/ horários totalmente improváveis? Eu desci do taxi ou do busão e andei livremente a pé.
  • Sabem aquele medo de alagamentos que a gente tinha na época em que ainda chovia nesta cidade? Tô longe disso.
  • Sabem IPVA, renovação do seguro do carro, revisão anual, inspeção veicular (ainda existe isso?), licenciamento, multas, manutenções? Credo.
  • Sabem frentista querendo trocar alguma coisa quando pede para “olhar a frente”? Como é que abre a frente do carro mesmo?
  • Sabem aquele vizinho que todo dia abre a porta na vaga ao lado e dá uma arranhadinha na sua porta? Passado.
  • Sabem o que é pagar R$ 50 para o manobrista ou para o estacionamento? Ha ha ha.
  • Sabem o que é chegar em um lugar no horário certo, não encontrar vaga para estacionar e se atrasar? Oi?

Toda vez que alguém me conta uma história envolvendo seu próprio carro (tipo essas aí em cima), eu fico muito aliviada. A vida é muito mais leve sem carro. Usamos metrô, ônibus, perua escolar, taxi e até já alugamos carro para viajar e tudo isso custa menos do que manter um carro. Dá menos dor de cabeça também. É tudo mais simples.

Filha, hoje você me perguntou se a mamãe não tem dinheiro para ter um carro. Não é por causa do dinheiro. Mamãe fez uma escolha, que foi usar nosso dinheiro para coisas que realmente nos deixam felizes. E carros não nos deixam felizes.

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