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Carta para minha filha

Querida filha,

Eu sei que você também sofre com todas as birras e descontrole, que não terminaram nos terrible two e já estão quase chegando aos four. Eu sei que é difícil ficar brava com o mundo, berrar até a garganta doer e se jogar no chão e bater a cabeça. Eu sei que eu sou a pessoa adulta nesse relacionamento e que é meu papel ter calma e paciência. Eu sei também que não sou um ser imaculado que tem calma e paciência 100% do tempo.

Mas você está me ensinando a ser paciente e tolerante. Você é a primeira pessoa neste mundo que nunca irá sair da minha vida mesmo que me irrite, que me teste ou que não faça as coisas que quero. Nós vamos ficar juntas e vamos tentar nos entender, para sempre.

Eu sei que você sofre de saudades. Eu sei que é difícil para você sair da escola com a perua e ser recebida em casa pela babá. Eu sei que você queria me ver antes. Sei também que no final do dia estou cansada, porque eu enfrento clientes atuais que precisam de atenção, novos clientes que entregam minhas metas de receita, chefe, equipe e colegas de trabalho que precisam de reuniões, materiais, definições e entregas. Você não tem nada a ver com isso e eu me esforço todos os dias para abstrair tudo isso enquanto estou no metrô para chegar bem humorada em casa.

Eu sei que todos os dias, sem exceção, você faz alguma bagunça feia na escola ou com a babá. O que você não sabe é que eu pedi para a escola e para a babá tentarem não me contar todas essas coisas em detalhes e hoje elas resumem, contam menos vezes, filtram um pouco mais. Fiz isso porque eu não quero chegar em casa todos os dias e ter conversas sérias e pesadas com você. Quero chegar em casa e te abraçar, ouvir suas histórias, contar sobre o meu dia. Quero te dar banho, brincar e te colocar para dormir. Quero te deixar feliz, quero te mostrar que não vou ficar brava e te dar broncas todos os dias.

Outra coisa que você não sabe é que eu entro no seu quarto todos os dias depois que você dorme para te cobrir e te abraçar. Você dorme pesado e nunca acorda. Você também não sabe que eu queria não ter perua e babá e te buscar na escola todos os dias, junto com seu irmão. Que eu questiono esse “esquema” todos os dias, mas que não sei qual outra alternativa funcionaria bem pra gente. Eu sei que você gosta de dormir cedo, porque isso te faz bem, então sei que não adianta chegar tarde e te deixar dormir uma hora mais tarde, porque você vai estar cansada demais para curtir esse tempo com a mamãe. Eu só não sei o que tenho que fazer para chegar em casa mais cedo todos os dias, sem que isso afete nossa renda e o meu equilíbrio.

Eu quero te ver feliz. Quero ver você tranquila, quero que se sinta linda, que seja querida pelo outros e que pare de roer suas unhas. Por favor, me ajuda a entender o que tenho que fazer para você parar de roer unha. Quero curtir você. Quero ficar mais tempo com você, sem essa de “tempo de qualidade”. Quero mais tempo mesmo. Queria levar você para trabalhar comigo amanhã.

Eu te amo muito, pequenina. Dorme bem, tá?

um beijo e um quentinho

Mamãe Ruri

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Ser (só) mãe

Hoje eu fiz tudo diferente: dispensei a perua de manhã e levei as crianças até a escola a pé, porque o dia estava bonito e eu queria ficar um pouco mais com eles antes da corrida matinal. No final da tarde saí cedo de uma reunião, dispensei a perua de novo e pedi para o taxi me deixar na porta da escola, um pouco antes das 18h. Meu filho quase morreu do coração quando me viu na porta da sala – eu amo essas manifestações intensas e energizantes de carinho.

Voltamos andando, conversando e cantando e paramos na padaria para um leite gelado com pão de queijo. Dispensei a babá e chegamos em casa super cedo, antes do horário que eles costumam chegar com a perua. Eles foram brincar no quarto, ainda era dia, tinha sol entrando pela varanda e a brincadeira rolou um bom tempo enquanto eu arrumava algumas coisas em casa, até chegar a hora do banho. Depois do banho dos três, brincamos juntos de jogo da memória e eles foram deitar. Deitei junto com minha filha e ficamos abraçadinhas um tempão até ela ficar bem sonolenta. Às 20h10 eles estavam desmaiados e eu percebi que fazia tempo que não me sentia tão feliz.

Ser mamãe e ser diretora de empresa juntos ao mesmo tempo é desafio demais. Tem que ter estrutura de apoio (a perua, a babá, a escola) e tem que gerenciar esta estrutura toda. Tem a culpa, tem a saudade, tem o cansaço. Tem cabeça em um lugar e coração no outro. Eu não nasci para ser mãe em tempo integral, mas hoje fiquei me perguntando seriamente se não estou errando totalmente neste modelo que escolhi.

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Desabafo I

Estamos passando por uma fase do cão. Em geral, sou bem sensível para entender os problemas dos meus filhos e ajudá-los a resolver. Desta vez, não sei. Não sei se foi porque tiramos férias juntos pela primeira vez e depois voltaram para a realidade, não sei se a rotina na escola está muito diferente sem a professora e os amigos que estão de férias ainda, não sei se foi porque mudei a mesinha de brinquedos do lugar, não sei se estou diferente, não sei se é o frio, não sei. Só sei que não sei o que fazer.

Eles estão muito bagunçados e agitados há algumas semanas. Do tipo que faz todo mundo que convive com eles comentar alguma coisa do tipo “nossa, eles não param”. Eles chegam em casa e destroem. Meu filho vai pra fono e a moça fica louca. Berram na perua. Deixei um dia em casa com minha mãe por uma hora e, quando voltei, ela estava de goleira na frente do móvel da TV para que eles não mexessem em mais nada. Deram para colocar mão na comida, fazer xixi na roupa de propósito, abrir meus armários e muitas outras coisas claramente irritantes.

Tá. Eu consigo enxergar que estou exagerando. Não é que está tudo tão mal assim o tempo todo. Não. Temos lindos momentos de muito amor e obediência. Mas a fase está mais caótica que o normal.

Aí eu me dei conta que eu tenho mais medo de assustar as pessoas que convivem com a gente do que efetivamente de ter que lidar com as birras. Tenho medo que um dia a tia da perua me diga que não aceita mais os dois. Tenho medo que a escola me diga que assim não dá mais, que só posso matricular um no próximo ano. Tenho medo que ninguém mais queira frequentar a nossa casa, porque isso aqui parece uma escola de samba no Anhembi. Tenho medo de não receber mais convites para sair com eles. Tenho muito medo que eles percebam que as pessoas não dão conta e se chateiem ou que se afastem de pessoas de quem eles gostam.

Aí eu fico me perguntando se nós realmente já não assustamos as pessoas. Desculpam, filhotes, eu fico. Eu me pergunto quantas vezes recebo convites para ir à casa de alguém com eles versus quantas vezes em convido para fazer isso. Eu diria que em 95% dos casos, eu me convido, e isto me assusta. Me dei conta de que eles nunca receberam um convite para passear com ninguém. Nem nunca receberam convite para brincar na casa de um amiguinho (o que pode ser culpa minha, já que a mãe também precisa ser legal para que a outra mãe queira iniciar uma amizade materna). Me dei conta também que eu mesma tenho preguiça antecipada de interações sociais. Por exemplo: descobri hoje um restaurante vegetariano e orgânico bacana e pensei em almoçar com eles lá nesse final de semana. Mas imediatamente fiquei me perguntando se eles vão correr pelo lugar, se vão mexer em tudo, se vão comer com as mãos, como é que vou fazer para levar um no banheiro enquanto o outro está aprontando alguma coisa e não sei se vou. Outro exemplo: comprei ingressos para uma peça de teatro amanhã e também estou sofrendo por antecedência porque é sempre caos. Eles não ficam do meu lado, se penduram em tudo, mexem mas coisas dos outros e só tenho duas mãos. Mais um exemplo: levei os dois no Simba Safári outro dia e eles fizeram tanta confusão no carro durante a ida (brigaram, tiraram sapatos e meias e jogaram no chão, choraram) que fiz o percurso todo até o local me arrependendo amargamente por ter saído de casa com eles e quase voltei. Durante o passeio nos divertimos muito, foi realmente legal. Mas na volta estavam cansados, com fome e frustrados com o fim do dia e eu lamentei tudo de novo. Só mais um exemplo: meu novo chefe sugeriu que eu levasse meus filhos um dia para conhecer o escritório e os colegas e eu pensei: “HAHAHHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHAHAHAHHAHAHAHAHHAHAHAHAHAHAHAHHAHAHAHAH tá doido?”.

“Gêmeos de 3 anos” é uma coisa assustadora, entendo. Uma criança mais uma criança igual a umas cinco crianças. É difícil. E, principalmente, solitário. Solitário pra mim, porque sou a mãe e fico aqui na sexta à noite conversando sobre maternidade com meu iPad porque não sei o que fazer/ como lidar/ qual o problema. Solitário para eles, porque eles deixam de fazer muitas coisas divertidas porque é muito assustador cuidar dos dois.

Antes que eu receba xingamentos e protestos, eu amo meus filhos, tá? Cuido muito bem, trato muito bem, me esforço para ser paciente e vou dedicar minha vida toda aos dois. Se alguém achar que é uma piração de uma pessoa despreparada para a função de mãe, dois brigadeirinhos estarão à disposição para qualquer convite para passeios nesse final de semana, para uma aula experimental. Mas só vale se levar só os dois, para ver como é. É só ligar.

PS: se de uma hora para outra começarmos a receber mais convites, quero deixar bem claro que não tentei dar indireta para ninguém. Mas meus bebês desconhecem a existência de um blog e ficarão genuinamente felizes com isso, ok?

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Vida sem carro, definitivamente

Pra falar a verdade, eu já não tinha um carro próprio faz tempo. O carro que eu usava, aquele que estava batido aguardando o conserto, era da empresa. Benefício do cargo, essas coisas do mundo corporativo. Mas mudei de emprego, devolvi o carro e precisei pensar se queria ter um carro ou próprio ou não.

Como boa engenheira (de sangue – mãe e pais são engenheiros – e de formação), pus tudo no papel:

Vida com carro (gastos anuais):

R$ 4.000 de depreciação (considerando um carro de R$ 40.000, que deprecia 10% ao ano)

R$ 2.000 de seguro

R$ 1.700 de IPVA (4% do valor do carro + taxas)

R$ 3.600 de combustível (uns R$ 300 por mês)

R$ 2.600 de estacionamento (dois estacionamentos semanais de R$ 25 cada um)

R$ 1.500 de manutenção (considera revisões, lavagens e consertos)

Total –> R$ 15.400 por ano

Vida sem carro (gastos anuais):

R$ 3.400 de transporte público (considerando que eu pegue ônibus e metrô para ir e voltar de algum lugar nos 365 dias no ano – mas atualmente só uso o metrô para trabalhar)

R$ 3.600 de perua escolar (se você não tem filhos, uhuu, tem mais uma economia)

R$ 5.200 de taxi (considerei dois taxis semanais, R$ 50 cada corrida – lembrando que, mesmo com carro, a gente deveria sair de taxi quando vamos consumir bebidas alcoólicas, que é o que eu já fazia faz tempo)

Total –> R$ 12.200 por ano

Fora o valor do carro, né? Se eu tiver R$ 40.000 e deixar esse dinheiro aplicado a 0,06% ao mês, isso vai me render R$ 3.000 por ano, o que diminui minha vida sem carro para R$ 9.200 anuais. Se eu não tiver R$ 40.000 e precisar financiar um carro, devo somar parcelas mensais na conta da vida com carro e o valor vai pelo menos dobrar. Quanto mais caro o carro, maior essa diferença toda, óbvio.

Como boa consultora, vou incluir uma análise qualitativa:

  • Fazer caminhadas dirárias é saudável
  • Ler no metrô é muito legal, bem melhor que ficar com as mãos no volante e os olhos no carro da frente
  • Risco de assaltos é muito parecido. Mas prefiro ter alguém furtando algo de dentro da bolsa no metrô lotado que uma arma na minha cabeça em um cruzamento, quando estou com aquela cara de “claro que tenho um smartphone e um notebook aqui nesse carro”
  • Não corro o risco de bater no carro de ninguém, nem de encostar em um motoqueiro mucholoco
  • Não vou tomar multas de trânsito
  • Calor deve ser bem chato dentro do metrô. Chuvas fortes no final da tarde incomodam qualquer um, então dá na mesma

Por que a gente tem carro, hein, gente?

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Trabalhar fora

Ser mamãe que trabalha fora é uma não-questão na minha vida. Não é só porque preciso de dinheiro para pagar as contas. Também não sou lá aquela super profissional agressiva que almeja um cargo de CEO em uma grande organização. Eu só não tenho vocação para ser mamãe em tempo integral. Sou feliz assim, com um emprego, saindo cedo para trabalhar todos os dias.

Só que, para sair de casa todo dia e ir trabalhar, tenho uma super infra-estrutura: a escola está paga 12 horas por dia (não uso, mas vai que), tenho uma pessoa em casa outras 8 horas por dia (também não precisaria sem os filhos) e uso a perua escolar. Tem o custo, tem a energia gasta na organização e manutenção de toda essa logística. E mais importante, é muito tempo longe dos meus pequenos para fazer tudo isso valer a pena.

Então eu criei um objetivo na minha vida: se é para sair da minha casa todo dia e morrer de saudades dos meus bebês, eu preciso me divertir. O conceito de diversão no trabalho envolve uma série de fatores: uma empresa em que eu acredite, cercada de gente interessante, inteligente e que eu admire, com um super espírito de colaboração, trabalho em equipe, ética e transparência. Não quero sair de casa só para ter um salário e passar os dias esperando o horário de poder voltar para casa.

Hoje saí de casa para o terceiro emprego pós-maternidade. Tô muito muito muito feliz. Me desejem boa sorte de coração?

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Respondona

Fico sabendo que minha filha jogou o óculos dela pela janela da perua duas vezes no dia de ontem. Aí tento ter uma conversa com ela. Algo assim:

– Você sabe que não pode jogar o óculos pela janela, não sabe? Ele pode quebrar.

– Tudo bem, você compra outro.

Quando eles começaram a falar, criei a categoria “fofuras” no blog, porque tudo era muito fofo. Filha, em sua homenagem, hoje criei a categoria “respondões”. Obrigada. Te amo.

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Vida sem carro

No dia em que completei 18 anos, fiz o exame psicotécnico para tirar carta. Tinha ido na auto-escola uns dias antes para não perder tempo.

Disputava o carro com minha mãe e com minha irmã durante a faculdade.

Assim que me formei e passei a ter salário, comprei meu primeiro carro. Achava que seria impossível ter uma vida profissional sem carro. Também achava que seria impossível ir morar sozinha sem carro. Morar sozinha era meu maior sonho, mas a primeira coisa que providenciei na vida foi um carro.

Até ter filhos, fiquei casada por quatro anos e tínhamos dois carros. Uma casa, duas pessoas, dois carros.

Durante uns três anos, meu escritório ficava a uns dois quilômetros do escritório do marido. Mas eu ia com meu carro e o deixava parado na garagem o dia inteirinho.

Eu era do tipo que ia na padaria de carro. Achava impossível viver sem carro. Lembro de uma vez que uma colega de trabalho européia que estava chegando ao Brasil me perguntou se ela deveria pensar em comprar um carro e eu respondi que “claro que sim, né? Como é que alguém vive em São Paulo sem carro. Impossível.”

Deixar o carro uns dias na revisão era um sufoco. Achava que não dava para ir trabalhar, que ia morrer de fome sem conseguir comprar comida, que ia precisar ir correndo para o hospital e que não teria como chegar lá. Nos dias de rodízio, eu saía de casa para trabalhar às 10h e só voltava depois das 20h, porque meus horários precisavam se adequar aos horários do meu carro.

Soma-se a tudo isso uma pessoa que detesta dirigir. Quanta babaquice na vida, hein?

Aí bateram no meu carro no mês passado e eu me libertei.

Contratei a perua para os bebês. Comprei um bilhete único para mim. Troquei os saltos por sapatilhas, a mochila de rodinhas por uma mochila de colocar nas costas. Comecei a usar o e-commerce do supermercado e recomendo inclusive para aqueles que têm carro: nada mais lindo que sua lista de compras sair do computador diretamente para os armários de sua casa. Nesse meio tempo, minha filha me premiou com duas crises de dor de ouvido e tivemos que correr para o hospital. De taxi, tranquilamente, sem problema algum. Num outro dia, precisei fazer várias coisas em vários lugares com eles e aluguei um carro. No mais, andamos a pé ou de transporte público, e às vezes pegamos uma carona.

E descobri que sou mais feliz assim.

É mais saudável, porque ando muito durante o dia. É mais sustentável, porque não poluo o ar. É mais barato. É menos estressante, porque não pego trânsito e o tempo para chegar em casa é totalmente previsível. É mais livre. É bem melhor.

E meus bebês estão aprendendo um monte de coisas. Estão aprendendo a andar na rua, a atravessar a rua, a tomar cuidado com os carros. Estão aprendendo a esperar o ônibus certo no ponto e a ter paciência e esperar a nossa vez de entrar. Estão aprendendo que temos que pagar a passagem e que temos que segurar firme para não cair. Eles não estão mais trancados no ar condicionado do carro, mas estão vendo as pessoas, a rua e como as coisas funcionam. Estão conhecendo o mundo, sabe? Acho mais legal.

PS: não posso deixar de elogiar. Corredores e faixas de ônibus são a coisa mais linda desse mundo. Eu me delicio demais sentadinha no busão que anda a 150 km/h olhando os motoristas dos carros paradinhos no trânsito bem ao meu lado.

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Criança inteligente dá trabalho

Minha filha anda brigando com a tia da perua. Já contei que ela está impossível?

Aí eu falei para ela:

– Você sabe que a mamãe não tem mais carro. Você tem que voltar de perua e obedecer a tia da perua, senão não sei o que fazer.

– Se eu não voltar com a perua, você vai me buscar?

– Não, porque eu não tenho carro.

– Você tem que buscar, porque eu não posso ficar na escola.

– Pode, sim.

– Não posso, a escola fecha, você tem que ir me buscar.

– Eu não tenho como te buscar, filha.

– Pode a pé.

– Não, não vou a pé até lá.

– Mas eu não posso ficar sozinha porque eu sou pequena.

– Eu sei, por isso você tem que obedecer a tia da perua.

– Não. Você vai me buscar na escola. A escola fecha e eu não posso ficar lá.

Mano. Pô. Pára. De. Argumentar. Comigo.

É falta de televisão ou de tablet na vida dessa menina? Se eu começar a hipnotizar com desenhos animados, será que ela emburrece um pouco? Tá loco.

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Sem carro

Bateram no meu carro. Não aconteceu nada comigo, mas aconteceu bastante coisa com o carro. Não foi legal. Quando saí do carro e vi o estrago, fui correndo pegar o celular para pedir ajuda. Não para quem vocês estão pensando. Antes de ligar para o seguro, para o guincho ou para minha mãe, eu liguei para o tio da perua:

– Oi, tio, socorro. Tem como encaixar os dois na perua para ir para escola todo dia de manhã? Tem? Oba. Começam amanhã, ok? Obrigada, tchau!

Ser mãe muda completamente nossas prioridades.

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Babá e bagunça

No primeiro dia, eu estava na porta do prédio com a Cleide esperando os bebês e a perua. No segundo dia, vim para casa cedo, mas fiquei no apartamento enquanto a Cleide desceu sozinha para esperá-los. No terceiro dia que tinha uma reunião que terminaria às 18h e pouco e seria a primeira oportunidade para testar se todo o esquema tinha dado certo.

Antes de sair para ir para escola nesse dia, eu expliquei que eles iriam voltar de perua e que a Cleide estariam esperando os dois em casa. Que eles tinham que obedecer a Cleide e fazer tudo como fazem com a mamãe. No carro, retomei a conversa:

– Quem vai voltar de perua?

– Eu!

– Quem vai estar em casa esperando vocês chegarem?

– A Cleide!

– O que vocês vão fazer com a Cleide quando chegarem? (eu esperava uma resposta do tipo: “tomar leite”, “comer fruta”, “tomar banho”, “escovar os dentes”, ou algo assim)

– Bagunça!

Não. Não. Não. Nesse momento eu desenvolvi uma fobia. Medo de ter dois pestinhas que assustam todas as babás (acho que já vi um filme assim, não existe?).

Passei o dia mentalizando “Cleide, por favor, seja forte, não deixe os dois dominarem você”. Só liguei para ela para ter certeza que ela tinha chegado em casa para trabalhar e resolvi conferir o resultado da experiência só quando entrasse em casa. E passei o dia em um uorquixópi com um cliente, pensando na Cleide me dizendo: “eu só tenho medo mesmo de ter que dar banho nos dois sozinha”. O cliente discutia o novo maindiséti para entender seus clientes, e eu só pensava em como alguém pode achar difícil dar banho em duas crianças ao mesmo tempo. É tão fácil, pô. Liga o chuveiro, espera a água esquentar, tira a roupa da criança, pede para ela não fazer xixi ou cocô no chão (não desfraldei, às vezes dá nisso), molha a criança, lava o cabelo com xampu, enxágua, lava o corpo com sabonete, enxágua, passa condicionador no cabelo, enxágua, toma cuidado o tempo todo para a criança não escorregar no chão molhado e cair e bater a cabeça no chão e morrer, desliga o chuveiro, embrulha na toalha e enxuga. Ao mesmo tempo, presta atenção na criança que ficou do lado de fora do box, porque ela vai estar fazendo algumas das alternativas a seguir: 1) subindo no vaso e dando descarga, 2) subindo no vaso, abrindo a torneira da pia e se molhando inteira, 3) subindo na pia e tentando suicídio infantil, 4) puxando o rolo de papel higiênico e encenando aquela propaganda dos anos 80, 5) abrindo a tampa do vaso e pulando de cabeça lá dentro, 6) abrindo o armário ou gavetas e tirando todas as coisas para fora – o que inclui engolir produtos de higiene pessoal, 7) abrindo o cesto de lixo e brincando com papel higiênico usado, 8) brincando com alguma coisa que mamãe deu para ela se distrair (mas essa cena eu nunca vi). Quanto terminar, inverte as crianças e repete tudo isso só mais uma vez.

Eu me segurei e resolvi não ficar ligando para atormentar a moça – mais do que os dois já deviam estar atormentando – para fazer perguntas bobas do tipo: “você conseguiu subir com dois bebês e duas mochilas?”, “você conseguiu fazer os dois sentarem nos cadeirões para comer uma fruta?” ou “promete que não foge e não larga os dois sozinhos em casa até eu chegar?”.

Peguei trânsito. Cheguei ansiosa. Abri a porta da sala e entrei correndo. Encontrei os três sentados no chão do quarto, brincando, e foi muito legal. Foi muito legal porque ultimamente eles vinham me recebendo na escola com um ar de “mas já, mãe? não posso brincar mais um pouco aqui?” e sempre um ou outro entrava no carro fazendo birra. Ontem quando cheguei eles abriram sorrisos imensos e vieram me abraçar. Pediram para eu sentar para brincar também. A Cleide estava sorrindo também, então acho que ela não teve pensamentos suicidas.

Fiquei com eles até a hora de dormir e depois também fui pra cama. Feliz.

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