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Por que um sabático

Sempre achei que “sabático” significava necessariamente pedir demissão e comprar uma passagem só de ida para algum lugar exótico. Morria de inveja de pessoas em seus sabáticos. Muita inveja. Essa definição de sabático não encaixava na minha vida de mãe, então nenhum sabático estava programado pelos próximos 15 anos. Só que algumas coisas estavam acontecendo na minha vida:

  1. Conciliar carreira e maternidade estava impossível e eu achava que não era boa nem em uma coisa, nem em outra. Alguns textos meus sobre este item aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
  2. Aécio
  3. Eu não estava feliz no emprego atual e em determinado momento resolvi partir pro clássico atualizar-CV-e-sair-panfletando-por-aí. Procurar outro emprego significaria ser chamada para entrevistas, onde eu deveria contar o quão linda tinha sido minha carreira até então e o quão entusiasmada eu estava para ocupar um cargo em outra empresa. E aí eu me dei conta que não conseguiria entrar em um papo desses, porque eu não achava minha carreira linda e nem queria outro cargo em nenhuma outra empresa.
  4. Eu não era livre. Eu tinha que dar satisfações sobre o horário que ia chegar no escritório, sobre o horário que ia sair, sobre a hora que ia almoçar, onde eu ia e quanto tempo demoraria para voltar, sobre o motivo de ter desligado o celular ou não ter atendido uma chamada, sobre as reuniões de trabalho que eu tinha no dia, sobre os compromissos que meus filhos tinham em horário comercial etc. “Etc.” aqui significa outras 160 mil coisas sobre as quais eu tinha que dar satisfação para alguém. Eu vivia pedindo desculpas por não ter feito uma coisa ou por ter feito outra.
  5. Fazer doutorado está nos meus planos desde que terminei o mestrado e eu vinha pensando fortemente em fazer fora do país. Um dos requisitos em vários processos seletivos são notas altas no GMAT e no TOEFL e não havia nenhuma chance de encaixar a preparação para os exames naquela vida vulgar que eu levava, então eu comecei a cogitar uma parada de alguns meses na vida executiva para estudar. Só não tinha data para acontecer.
  6. Como eu pensava que em algum momento eu iria me dedicar somente ao GMAT, eu fiz as contas para saber quantos meses eu sobreviveria sem salário, então eu sabia que era financeiramente possível passar alguns meses sem trabalhar.

Sabático não era um plano, não tinha data, nada. Até que um belo dia eu “acordei” do que estava fazendo e me vi na seguinte cena: algumas pessoas em uma sala de reunião, um problema com cliente para resolver, todo mundo nervoso tentando achar culpados. Uma pessoa em pé na minha frente, gritando e gesticulando comigo, em um tom nem um pouco educado. Eu, sentada, em posição de defesa, falando em tom alto, respondendo, também não muito educada. Na hora em que “acordei”, olhei para duas cadeiras vazias na sala e imaginei Isaac e Ruth sentados ali. Quando imaginei os dois vendo aquela cena, imaginei duas carinhas de decepção. Imaginei perguntas assim: por que aquele moço grita tanto com você, mamãe? Por que você fala alto também, por que você não fala baixo e conversa como sempre ensina a gente? Por que você estava tão brava, você estava com raiva? Você não é feliz no trabalho, mamãe? E, por fim, imaginei a Ruth me dizendo: “a gente precisa sempre conversar falando baixo para resolver o problema e pedir desculpas quando grita”. Eu morri de vergonha. Eu nunca queria que meus filhos soubessem como era trabalhar. Aqueles dias em que a gente leva filhos para conhecer o trabalho dos pais é tudo uma farsa (sabem, dia das crianças e Natal?).

Eu pedi para reavaliarmos o tom de voz e o tom da conversa, mas não rolou. Pedi de novo, não rolou de novo. Na verdade, recebi um feedback de que estava me preocupando com questões não-importantes, que o problema do cliente era mais importante que o fato de estarmos ou não estarmos sendo educados um com o outro naquela reunião interna. Aí eu pedi licença, disse que iria para minha casa, que não queria seguir com uma reunião sem educação e que poderíamos continuar no dia seguinte. Saí do escritório às 17h30 pela primeira vez em 12 anos e fui para casa. No dia seguinte pedi demissão e fui viver a vida adoidado (mentira, trabalhei mais uns dias até passar minhas coisas para outras pessoas do time e tal).  Só para deixar claro: eu não pedi demissão por causa de uma reunião ruim. Já tive várias reuniões ruins durante minha vida profissional e aquela reunião foi muito parecida com outras 500 que já fiz. Só que naquele dia eu vi com clareza que eu não estava feliz fazendo o que eu fazia, que minha carreira e minha vida são responsabilidade só minha e que só eu poderia fazer alguma coisa para ser mais feliz.

No dia em que pedi demissão, comprei nossas passagens para Paris. Não ia dar para viajar o mundo, mas eu iria me dar as férias mais legais do mundo junto com meus três amores. Eu não tinha muitos planos para os próximos meses; não sabia o que iria fazer da vida, mas já sabia o que não queria fazer. Usei meus meses de sabático para estudar, conversar com pessoas, pensar na vida, fazer cursos, cuidar da família, ler, escrever.

A sensação de liberdade que tive nesses últimos meses por não ter cobranças, por ser dona do meu tempo e por poder fazer só o que me faz feliz foi tão intensa, tão indescritível e tão necessária que não sei mais viver sem ela. Liberdade é um valor fundamental para mim. Em qualquer coisa que eu decida me envolver daqui para frente, liberdade será essencial. Eu quero ser para sempre dona do meu cérebro (ou seja, eu quero decidir como usar minha cabeça) e do meu tempo.

Hoje já tenho uma boa ideia dos meus próximos passos e do que quero fazer da vida, e já não me considero mais em um sabático. Não tenho um emprego nem renda fixa, mas estou envolvida em tanta coisa que já não dá mais para chamar de sabático, como se fosse um período passageiro. Já é uma nova fase.

Além da liberdade e de fazer questão de ser dona do meu tempo, aprendi outras coisas nesses últimos meses. A mais reveladora: trabalhar dá muita despesa. Eu recebia todos os meses um valor líquido e gastava 100% deste valor, então achei que este era o dinheiro que eu precisaria todos os meses para viver. Gente, sem trabalhar eu gasto metade. Grande parte das despesas que eu tinha existia porque eu trabalhava muitas horas por dia: empregada doméstica, babá, escola por 12 horas, jantar na escola para as crianças, taxi, perua escolar, almoços mega caros (oi, São Paulo e seus singelos almoços de R$ 50-R$ 80), roupas sociais, manicure semanal e, claro, aquele monte de presente de que a gente se dá para compensar o sofrimento todo. Custa caro trabalhar. Sabe aquela conta que diz que só começamos a receber nosso salário em abril, depois de pagarmos todos os impostos? Eu descobri que só começava a ganhar meu salário todo dia depois do almoço, porque trabalhava de manhã apenas para pagar a estrutura que eu tinha para poder trabalhar.

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Hoje meu filho tem consulta, chefe

Um dos maiores desafios nessa história toda de conciliar carreira e maternidade para mim foram as consultas médicas. Meus filhos são super saudáveis e não têm nenhum problema grave de saúde, mas acontecem muitas consultas. Tem a pediatra, a dentista e a oftalmo da Ruth que são semestrais, tem as terapias semanais que eles fazem, tem consultas eventuais com algum especialista diferente, aí estes profissionais todos pedem exames e avaliações. Tudo isso que estou falando deve ser feito em horário comercial, porque médicos trabalham em horário comercial. E criança também só funciona bem em horário comercial; não dá para marcar pediatra às 20h e achar que eles vão colaborar com o processo todo num super bom humor. Então eu tinha um emprego em horário comercial, consultas médicas acontecendo em horário comercial e muito samba para conciliar. Consulta cedinho, consulta no almoço, consulta no finalzinho da tarde, tudo para ser boa profissional.

Só para detalhar: não é só o horário da consulta em si. Levar uma criança a uma consulta médica envolve sair de onde você estiver (no escritório), buscar a criança onde ela estiver (na escola, no caso a 45 minutos do escritório), fazer o deslocamento até o médico (30, 45, 60 minutos), esperar (x?), ser atendido (30, 45, 60 minutos), fazer o deslocamento até onde a criança estava, voltar até onde eu estava. Somei aí umas quatro horas na brincadeira. Meio período. Metade das horas que eu deveria trabalhar. E, não. Não adianta achar que, só porque cheguei 12h no escritório porque levei alguém numa consulta, vou poder trabalhar 4 horas a mais no final do dia, porque no final do dia tem que buscar na escola, tem que ir para casa, tem que ser mãe de novo. Eles não iam me esperar na escola até às 22h só porque eu entrei mais tarde. Não existe isso.

Isaac passou meses com acompanhamento mensal de um tratamento que fez nos dentes. Para não perder horas no trabalho, montei um esquema assim: meu padrinho (santo padrinho que meus pais – ele espírita e ela budista – me deram quando resolveram me batizar na igreja católica sei lá por quê) ia para minha casa às 7h no dia da consulta (ou seja, ele saía da casa dele umas 6h20), íamos juntos até o consultório (50-60 minutos de deslocamento), Isaac era atendido às 8h, saímos de lá umas 9h, meu padrinho partia com ele para a escola e eu ia para o outro lado trabalhar. Chegava no escritório 9h15 e ninguém percebia nada. Lindo.

Num desses dias, eu já estava pronta para sair com Isaac e meu padrinho me avisou que não ia conseguir ir comigo, estava passando mal. Desmarcar a consulta em cima da hora com o menino já prontinho para ir também não me parecia legal com meu filho. Afinal, o tratamento era importante, era minha responsabilidade levá-lo no acompanhamento todos os meses. Então fomos. No caminho, liguei para minha mãe, mas ela também estava enrolada, o que é compreensível, já que ninguém está à disposição de mães solteiras numa segunda-feira às 7h da manhã. Se eu tivesse que levar Isaac de volta para a escola para ir trabalhar depois, eu ia chegar no escritório umas 11h. Minha mãe sugeriu, então, que eu fosse para o escritório com ele e ela poderia ir buscá-lo umas 10h e pouco. A ideia era linda: eu não ia passar 2h do meu dia me deslocando e poderia começar a trabalhar no horário que eu queria. Isaac ficaria uma horinha desenhando ao meu lado e iria embora com a vovó. Plano B acionado e combinado. Teria sido perfeito, outra ótima solução para conciliar carreira e as consultas médicas que a maternidade nos traz. Se meu filho não tivesse sido proibido de ir comigo ao escritório. Ponto. Não sei mais o que dizer. Ponto. F$#*&$#*, né?

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Ensaio sobre o meu tempo

Eu não soube conciliar carreira e maternidade. Vou saber um dia, sei que vou, mas ainda não sei. Tenho muitos textos falando sobre essa dificuldade. Falam da dificuldade de ser mulher e mãe no ambiente corporativo, do quanto é duro equilibrar todas as demandas, da dificuldade de cumprir os horários, da cobrança por parecer não fazer nada direito.

Até que um dia eu cheguei no escritório e cantei:

Um belo dia resolvi mudar/ E fazer tudo o que eu queria fazer/ Me libertei daquela vida vulgar/ Que eu levava estando junto a você/ E em tudo que eu faço/ Existe um porquê/ Eu sei que eu nasci/ Eu sei que eu nasci pra saber/ E fui andando sem pensar em voltar/ E sem ligar pro que me aconteceu

Mentira. A bem verdade foi que eu cantei:

Não consegui conter, bem que eu tentei/ Não podem vir, não podem ver/ Sempre a boa menina deve ser/ Encobrir, não sentir/ Nunca saberão/ Mas agora vão/ Livre estou, livre estou/ Não posso mais segurar/ Livre estou, livre estou/ Eu saí pra não voltar/ Não me importa o que vão falar/ Tempestade vem/ O frio não vai mesmo me incomodar

Saí para um sabático. Conto mais sobre essa decisão em outro texto. Aqui vou contar sobre meu principal projeto no sabático: entender o meu tempo.

Que tempo?

Simplificando, “tempo” eram as horas do meu dia, da minha semana, da minha vida, que se embaralhavam, que sumiam, que nunca eram suficientes para nada. Meus dias úteis eram cronometrados. Chego até a cansar só de escrever.

  • Despertador tocava 5h40 (CINCO E QUARENTA, MANO). Aí começava o processo matinal com objetivo de não perder a perua escolar: eu fazia minha higiene, me vestia, acordava um, trocava, higiene, acordava outro, trocava, higiene, fazia café da manhã deles, fazia meu café da manhã (são diferentes, sim, porque eles iam pra escola e eu ia malhar), terminava de arrumá-los, terminava de me arrumar, pegava tudo (criançasmochilassacoladaacademiagarrafinhadeágua), punha tudo no elevador, colocava tudo na perua. Se alguma coisa diferente acontecesse – por exemplo, se algum deles quisesse fazer cocô – já dava tudo errado. Perder a perua significava andar 800 metros até a escola (difícil para eles) e perder a academia (difícil para mim). Essa confusão matinal jamais poderia ser chamada de café da manhã em família.
  • Eu gosto de academia. É um tempo só meu, faço musculação, corrida e spinning feliz da vida. Mas eu só tinha 40 minutos para malhar. Nunca dava tempo de fazer o treino todo, eu sempre fuzilava quem sentava no aparelho que eu queria usar.
  • Eu voltava correndo para casa e fazia tudo no esquema já-tô-atrasada-pra-sair: tomar banho, me trocar, dar uma arrumada na casa e comer alguma coisa.
  • Dali para frente, era a carreira. Deslocamento até o trabalho (45 minutos), reuniões, chefe, clientes, equipe, coisas pra entregar, lista de to-dos que não termina nunca, pedir almoço e comer na mesa, esquecer de escovar os dentes depois do almoço, esquecer de fazer xixi, esquecer de tomar água, tomar 5 cafés por dia, sair correndo no final do dia, mais 45 minutos para chegar em casa.
  • Chegava em casa no horário limite de a babá ir embora (sim, porque em determinado momento da minha vida eu percebi que nunca chegaria na escola no horário certo e contratei babá) e virava “mamãe”, com 100% do foco neles: era então hora de dar banho, brincar, dar comida, dar atenção, arrumar as coisas para escola e tal. Tudo bem rápido, claro, porque eu tinha chegado tarde e eles já estavam com muito sono.
  • Só depois que eles iam dormir que eu conseguia sentar no sofá e relaxar. Não relaxava antes de ter certeza que tinha sido uma mãe “presente e atenciosa”, nem relaxava antes de garantir que eles fossem pra cama em um horário adequado. E só depois disso tudo eu podia tomar um banho, fazer xixi, jantar, assistir House – isso se eu não tivesse trazido trabalho para casa. Ah, sim, muitas vezes eu trazia trabalho para casa. Pior: muitas vezes eu ainda tinha call para fazer com o chefe, então muitas vezes eu estava estressada com o horário do call enquanto cuidava das crianças. Eu pensava coisas do tipo “durmam logo que eu tenho um call começando em 15 minutos”.
  • Enfim, meu dia tinha começado às 5h40 e por volta das 21h (MAIS DE QUINZE HORAS DEPOIS) eu começava a tentar relaxar um pouquinho, se o trabalho não engolisse mais tempo. E, claro, o tempo do trabalho era cada vez maior e às vezes invadia meu tempo de malhar e diminuía meu tempo com as crianças. E nem gosto de dizer quanto tempo eu dedicava para meus filhos por dia. Era uma vergonha.

Enfim, eu passava o dia todo esperando a hora de meus filhos irem para cama para poder relaxar. E mais, mesmo que eu me esforçasse e fizesse questão de passar um tempo com eles todos os dias, eu jamais poderia chamar esse tempo de “tempo de qualidade”. Não era. Eu era uma pessoa cansada, estressada, meu celular tocava, mesmo que eu não atendesse o celular eu tinha raiva de quem me ligava aquele horário e muitas vezes o computador do trabalho estava na mochila esperando eu terminar mais uns slides. Sim, gente, é isso. What the fuck?

E quanto tempo afinal eu queria?

Quando tirei o sabático, eu tinha uma lista imensa de coisas para fazer, coisas para organizar, coisas para estudar, cursos para fazer, pessoas para encontrar, viagens, projetos, livros e coisa e tal. Mas a primeira coisa que fiz durante o sabático foi prestar atenção no meu tempo. Se fosse um projeto de pesquisa, eu estaria investigando as seguintes questões: quanto tempo quero ficar com meus filhos durante a semana? quanto tempo quero passar na academia? que horas quero acordar e ir dormir? quanto tempo tenho para trabalhar? quanto tempo preciso para relaxar (i.e., fazer nada, namorar, passear)?

Fui testando. Acordar mais tarde, dormir mais cedo, malhar em outros horários, mudar horários das crianças na escola, ficar sem babá, estudar de manhã, estudar à tarde, estudar de madrugada, bundar no meio do dia.

E hoje, seis meses depois, me descobri assim:

  • Eu gosto de acordar cedo. O despertador continua tocando às 5h40. Sou assim. Não sei se meus filhos gostam de acordar tão cedo, mas eles têm mãe louca, que posso fazer? Acontece que eu só tenho pique se entrar na academia cedão e malhar bem cedo. Gosto que meu dia comece cedo, então continuei tirando a galera toda da cama cedo mesmo depois de parar de trabalhar.
  • Quarenta minutos era pouco, mas uma hora de academia por dia tá bom pra mim. Uma vez por semana fico lá 1h30, porque tem aula de spinning e abdominal na sequencia e gosto das duas. Eu achava que iria malhar umas duas ou três horas por dia no sabático, mas, não. Vinte minutos a mais, tudo o que eu queria!
  • Meu dia começa às 8h30. Às 8h30 eu já estou sentada em casa para estudar ou já estou pronta para sair.
  • Gosto que meus filhos voltem da escola às 16h. Ainda é um horário integral, mas é bem menos puxado para eles, ainda é dia quando eles chegam. E eu já tive seis horas produtivas mais uma horinha para almoçar. Quando eles chegam da escola, a mamãe está em casa, não a babá. Ficamos juntos. Às vezes nem brincamos juntos: eles brincam sozinhos, mas se sentem bem porque a mãe está por perto em casa fazendo outras coisas. Fico com eles enquanto eles jantam. E o horário de ir para cama mudou de 20h30 para 19h ou 19h30. Depois que começaram a dormir mais cedo, todas as indisposições deles na escola melhoraram, porque estão mais descansados.
  • Gente, às 19h eles estão dormindo. E estão dormindo bem e tranquilos, porque sabem que a mamãe está em casa se precisarem de alguma coisa. Às 19h eles estão dormindo e eu tenho mais CINCO horas até meia-noite. CINCO. 5. CINCO HORAS. 1 + 1 + 1 + 1 + 1 = 5. C-I-N-C-O. E nem preciso fazer jantar, porque preparo o jantar deles e como a mesma coisa um pouco mais tarde. CINCO HORAS. Hoje estou escrevendo, ontem fiquei lendo, antes de ontem estudei um pouco, num outro dia fui ver um filme. Em um dia fiquei até uma da manhã no computador porque queria terminar um projeto até o dia seguinte. CINCO HORAS.

E aí eu aprendi que eu posso trabalhar oito horas por dia se quiser. Posso trabalhar mais de oito horas se precisar. Que o problema não são as oito horas diárias. O problema são as oito horas no tal do horário comercial das 9h às 18h, o problema são os deslocamentos, o problema é a falta de flexibilidade da coisa toda.

Tem diversos textos que dizem que o mercado de trabalho ainda não aprendeu a acolher a maternidade, alguns meus e de outras mulheres (este, este e este). Minha descoberta mais importante durante o sabático é que não sou uma folgada tentando fazer corpo mole e tentando trabalhar pouco. Pelo contrário. Estou disponível para trabalhar. Mães estão disponíveis para trabalhar. Falta o mercado de trabalho entender que flexibilidade é vida. Que talvez resultado seja mais importante que facetime. Que oito horas angustiada dentro do escritório são bem menos produtivas que menos horas bem trabalhadas. Que está na hora de encontrarmos formas mais humanas de acolher as mães no mercado de trabalho.

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A vida muda, e depois melhora

Há pouco tempo estava conversando com uma amiga e ela me disse que achava incrível como a natureza prepara as mulheres para virarem mães. Que no início da gravidez ela sentia muito sono e cansaço e ficou mais caseira, como se o corpo estivesse se preparando para a pausa nas baladas. E que no final da gravidez ela não conseguia mais dormir direito por causa da barriga enorme, como se o corpo estivesse se preparando para as mamadas noturnas e tudo mais.

Quando a gente adota não acontece nada disso, tá?

Eu tava lá trabalhando 14-16 horas por dia e saindo para jantar depois e acordando cedo para malhar e viajando aos finais de semana e meu corpo não mudou nada e eu estava fazendo o que desse na telha. Daí eles chegaram.

Não vou mentir. A vida muda muito com a chegada dos filhos. Tem que mudar. Nenhuma vida sem filhos pode ser igual a uma vida com filhos, as coisas mudam. Os horários, as preocupações, as tarefas domésticas, o sono, as prioridades, tudo muda.

Eu senti muito essa mudança toda. Não só porque adotei e não tive nove meses de preparação física, mas porque minha vida era bem diferente. Coisas que foram chocantes para mim:

  • Rotina. Durante a licença maternidade, ficávamos em casa todos os dias. E todos os dias, incluindo finais de semana e feriados, era aquela mesma coisa: eles acordavam cedo (gente, 6h no sábado, gente), eles tinham que fazer mil refeições todos os dias (não tem essa de almoçar amendoim e depois inventar um almojanta, sabe?), se dormissem tarde ou pulassem o sono da tarde ficavam irritados, e mais uma porção de coisas diárias que eu tinha que seguir. Eu estava acostumada a acordar cada dia em um horário, a voltar para casa cada dia em um horário, a almoçar quando desse fome e por aí vai.
  • Sair do trabalho às 18h. No início, era o máximo que eu podia ficar no escritório para chegar na escola no horário certo e já contei aqui, aqui e aqui como esse processo todo me estressava.
  • Ficar em casa todas as noites. Eu gostava de jantar fora, gostava de ir ao cinema à noite, trabalhava até tarde sem reclamar. Ter que voltar para casa e depois ter que ficar em casa até o dia seguinte foi algo bem difícil.
  • Ter preguiça de sair de casa. Porque eu tinha que levar uma mala com tudo que poderia precisar para cuidar deles, porque eu tinha que levar duas crianças e porque eu não podia relaxar e tirar o olho deles um único minuto. Dava muita preguiça.
  • Ser tirada do trabalho no meio do dia. Não sei por que eu tive a doce ilusão que crianças iam para escola e que mães iam trabalhar normalmente. Em meus sonhos, nenhuma escola me ligaria para nada e eu nunca teria que sair correndo para socorrê-los.
  • Mudar totalmente o lazer: comer fora era diferente, viajar era mais difícil, cinema exigia um planejamento muito maior que comprar ingresso e ir (com quem vão ficar? que horas dá para ir? preciso fazer mala para deixar na vó?), ir a uma festa de casamento parecia impossível.
  • Ter que fazer (aka responsabilidade): parece básico, mas funciona assim: se não der banho, eles não tomam banho. Se não escovar os dentes, eles não escovam sozinhos. Se não trocar a fralda, vaza tudo na roupa. Se não levar no médico, perde o timing das vacinas. Se não fizer comida, morrem de fome. Se não compra roupa nova, eles saem por aí com calças curtas e camisetas baby look. Cara, é muito processo. É muita coisa para fazer.

Mas aí tudo melhorou. Não sei se foi a idade (love you, 4 anos), não sei se foram todas as mudanças que fiz na minha vida para me entender com todas as mudanças que meus filhos trouxeram, não sei se simplesmente entrei no esquema.

Em pouco tempo, estar em casa no final do dia não era uma obrigação, mas, sim, o maior prazer do meu dia e comecei a querer chegar cada vez mais cedo. Eles dormem e eu fico em casa sem nenhuma ansiedade. Durante um tempo eu tinha uma folguista para poder sair no sábado à noite enquanto eles dormiam, mas tem uns seis meses que não a chamo. Simplesmente gosto de estar na minha casa e de ir até o quarto deles caso precisem de alguma coisa. E gosto de passear com eles e de levá-los junto comigo. Escolho filmes e peças infantis e me divirto muito, planejo viagens, levo em festas, frequentamos restaurantes e até levei os dois em eventos da empresa do namorado. Eles fazem parte de mim e damos um jeito de adaptar o programa para crianças. Hoje eu já não sinto mais o “não posso”, “não vai dar”, “vai ser muito difícil”. Pelo contrário, eu acho que posso fazer o que eu quiser de novo.

Minha vida é muito melhor que há 3 anos e meio atrás. A sensação que tenho em relação à minha vida pré-filhos é a mesma que tenho com relação aos meus anos de colégio: morro de saudades de só estudar, dos amigos da época e dos papos que eu tinha na época, das preocupações com as provas e ficantes, das tardes livres, mas não me vejo jamais experimentando essa vida novamente.

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O medo e a curiosidade

Eu tinha medo de engravidar durante o colégio, porque eu tinha que estudar muito e entrar na USP.

Eu tive medo de engravidar nos primeiros anos de faculdade, porque eu dependia das minhas notas para escolher a engenharia que queria fazer e não podia perder aula por causa do parto.

Aí eu tive medo de engravidar nos demais anos de faculdade, porque eu precisava me formar.

E tive medo de engravidar logo depois de me formar, porque tinha que terminar o programa de trainee, terminar o mestrado, pagar o financiamento do carro.

A partir daí, tive medo de engravidar e estacionar minha carreira, porque eu tinha que ser promovida várias vezes.

Casei e tive medo de engravidar logo e não aproveitar a vida de casada sem filhos.

Aí quis adotar e tive medo de engravidar durante a habilitação para adoção, porque achava que não iriam me aprovar com um bebê na barriga.

Aí adotei gêmeos e tive medo de engravidar, porque… é óbvio, né?

Só que acho que o relógio biológico me pregou uma peça e comecei a ter curiosidade. Tenho vontade de engravidar para saber como é esse negócio de gravidez: o filho crescendo na barriga, o corpo mudando, o amor por um ser que nunca foi visto.

Mas só tenho curiosidade para saber como é estar grávida. Não tenho curiosidade para saber como é ter o terceiro filho. Nenhuma, para ser bem sincera. Racionalmente, nasci para ser mãe de dois.

Então eu fico pensando como seria legal engravidar sem querer. Porque aí não tem jeito, o bebê veio sem querer e tem que encarar. Aí mato a curiosidade e depois crio três.

Mas com tanto medo de engravidar, eu nunca vou ficar sem pílula e sem camisinha. Porque vai que engravido, que medo. E não acho que alguém que usa dois métodos anticoncepcionais vá engravidar sem querer. Pelo menos, espero que não, que medo de engravidar, credo!

Para resumir, vou passar por esta vida sem saber qualequié.

Mas fico feliz que não tive essa curiosidade antes de adotar. Porque acho que não teria encarado gêmeos na adoção se já tivesse uma criança em casa. E aí não teria sido escolhida pelo Isaac e pela Ruth, e nem consigo pensar em passar por esta vida sem os dois. Nenhuma outra criança seria tão legal quanto eles.

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Presente de dia das mães

– O que você quer ganhar de dia das mães?

Ah, não vou mentir: apesar dessa vida simples e desapegada que tô perseguindo, eu ainda quero um monte de coisas. Não eletrodomésticos, please. Quero roupas novas, lingerie, um tênis, acessórios. Te faço uma lista com umas dez coisas bacanas que vão me arrancar um sorriso.

Mas um presente bacana mesmo seria não ter mais que me desculpar por ser mãe. Porque tenho percebido que, ao longo desses anos, eu me desculpo muito por ser mãe.

“Desculpa, mas ele(a) está doente na escola e vou ter que ir buscar”. “Desculpa, mas o médico só tinha consulta nesse horário e preciso levar”. “Desculpa, mas ele(a) fez uma birra hoje cedo pra acordar e atrasei”. “Desculpa, mas a reunião de pais/ apresentação de dia das mães é nesse dia e horário e vou ter que ir”. “Desculpa, mas hoje ele(a) teve uma excursão, perdeu o horário da perua e ficou lá na escola, preciso ir buscar”. “Desculpa, mas a babá faltou/ pediu demissão e não tenho com quem deixar”. “Desculpa, mas estou indo pra casa ficar com meus filhos”.

Perceber que eu estava me desculpando simplesmente porque sou mãe foi frustrante. Porque não é que eu quero ficar fazendo essas coisas todas só para meu próprio prazer. É um direito das crianças ter alguém que cuide delas e que faça as coisas que precisam ser feitas para elas. É um direito das crianças que elas tenham pelo menos um adulto que as tenha como prioridade e que não as deixe na mão. E, por trás dessas minhas desculpas todas, existem duas crianças que precisam de médico, de cuidados, de tempo e de mãe.

Hoje passei por essa imagem do MILC e vi que é isso que eu quero. Não quero flores nem presentes, quero poder dar prioridade para meus filhos sem pedir desculpas. E como isto não vem em uma caixa de presente e só depende de mim, nesse dia das mães eu mesma vou me dar o meu presente.

Isaac e Ruth, a mamãe nunca mais vai pedir desculpas por ser mãe.

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Carreira e maternidade convivem bem?

Aí eu tô jantando com uma moça-sem-filhos-aspirante-a-futura-mãe, que me pergunta qualé que é esse negócio de conciliar carreira e maternidade. Dúvidas das mais comuns: é fácil? as empresas apoiam? seu chefe te entende? você pensa em largar tudo?

Óbvio que não é fácil, foi minha primeira resposta. Óbvio que as empresas apoiam desde que você trabalhe muito, bata todas as suas metas, esteja sempre à disposição e não deixe os filhos interferirem no trabalho, foi a segunda resposta (e nada como uma boa dose de mau humor no sábado à noite, né?). E óbvio que ninguém que não seja mãe entende direito.

Quando eu falei “mãe” eu entendi onde está o problema nesse treco todo. “Mãe” e “maternidade” são os problemas! Como nunca pensei nisso antes? Em primeiro lugar: a gente deveria usar um termo que não seja sexista para falar sobre “maternidade”, alguma tradução que não me veio agora para parenting. Parenting é “the process of taking care of children until they are old enough to take care of themselves: the things that parents do to raise a child”. Sacaram? Algo assim: é o cuidado com uma criança até que ela tenha idade suficiente para cuidar de si mesma: são as coisas que os PAIS fazem para criar uma criança. Porque mãe e pai estão – ou deveriam estar – envolvidos igualmente no processo, é ou não é?

Sim, os tempos mudaram e muitos pais estão bem envolvidos no processo todo. Significa que dão banho, trocam, colocam para dormir, fazem e dão comida, brincam, acordam de madrugada para acudir. Isso já deve ter sido bem pior para as mães em outros tempos. E o onde está o desafio de conciliar carreira e parenting? Está em continuar a ser parent enquanto a gente exerce nossa profissão. O desafio existe no horário comercial, porque ser pai e mãe quando se está em casa é muito fácil, qualquer um faz. O desafio está em dar conta das coisas que continuam acontecendo com nossos filhos em horário comercial: consultas médicas, exames, doenças – aquelas coisas que sempre acontecem fora de hora, reuniões na escola, tratamentos diversos, babás que faltam, escolas que não abrem na emenda de feriado, provas e trabalhos escolares, crianças com saudades que querem que seus pais cheguem cedo em casa.

Numa matemática óbvia: se todo pai assumir metade das preocupações que um filho gera em horário comercial, conciliar carreira e maternidade já seria 50% mais fácil para as mães. Simples assim. Tá, gente, você conhece, você tem, você já viu, você até já conviveu com um pai que realmente assume metade das preocupações. Eu também, eu sei que existe. Só não consigo acreditar que seja a maioria. Quantos executivos bem sucedidos vocês já conheceram com muitos filhos? Um monte, né? Já viram algum deles atendendo uma ligação da escola para avisar que o filho está com febre, e realmente tomando alguma providência (ligar pra mãe não vale)? Já viram algum deles sair no meio de uma reunião para levar a filha ao pronto-socorro por causa de uma otite? Pensa bem. Passa na frente do consultório de um pediatra e me diz quantas crianças estavam acompanhadas apenas pela mãe e quantas crianças estavam somente com o pai. Vai lá em uma reunião da escola e conta o número de mães e o número de pais que estavam por lá.

Quando isso acontecer, quando parenting for realmente um processo executado pela mãe e pelo pai igualmente, as empresas começarão a ver que é difícil para qualquer pessoa que tenha filho, seja ela a mãe ou pai. Porque esta é a parte injusta da coisa. Você tem o mesmo cargo que um homem e o mesmo número de filhos que ele e só sua vida é super bagunçada, com um monte de compromissos dos filhos para encaixar no meio da agenda de trabalho. Ele tá lá todo lindo cumprindo tudo o que tem para fazer e aparece todo cheiroso com os filhos na festa de final de ano. E você é a doida que tem que dizer que às quintas não consegue chegar às 9h nas reuniões porque o filho tem fono e você sempre atrasa um pouquinho nesse dia ou que aparece com a filha no escritório com uma virose, porque a escola não deixou ela ficar lá e você não tem com quem deixá-la e também não podia deixar de terminar alguma coisa no trabalho. E aí ter uma mãe na equipe é super difícil de gerenciar, enquanto ter um pai na equipe é tudo de bom, porque além de bom profissional, ele também consegue ter uma vida pessoal equilibrada ao lado de uma família de comercial de margarina (sorry, deu vontade de usar este clichê).

Ah, sim, existe uma maneira alternativa de conciliar maternidade e carreira que se chama “babá que dorme no emprego”. Já trabalhei com algumas mães que usam este recurso: elas pagam para ter alguém disponível 24 horas para suas crias (incluindo tudo, tudo, tudo o que você pode imaginar), enquanto elas trabalham, viajam a trabalho, dormem fora a trabalho, chegam cedo no trabalho, saem tarde do trabalho. É um modelo que nem considero, então não vou falar muito sobre isso.

A conclusão da conversa com a moça foi que vai ser f pra caramba. Eu desejei que ela encontre um bom parceiro para esta história toda e que realmente assumam metade cada um, mas avisei que isto não vai melhorar muito a vida dela. Não vai melhorar porque não adianta um único homem fazer isso. A maioria dos outros homens com quem ela vai trabalhar vão continuar mais focados e com menos problemas de crianças interferindo no trabalho e, mesmo com só 50% do trabalho, ela vai continuar a parecer improdutiva. Tô pessimista, eu sei. Ela tem planos de ter filhos daqui uns 8 anos. Não vai mudar nada até lá, não.

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Simplifica

Há mais de um ano eu só penso em trabalhar menos. Eu gosto de trabalhar, não nasci pra ficar em casa e cuidar dos filhos em tempo integral, mas justamente por causa deles eu quero trabalhar menos. Não sei quão menos, mas certamente bem longe do modelo CLT de 40 horas semanais. Oito horas por dia de segunda a sexta é tempo demais. Isaac e Ruth merecem mais de mim.

E o primeiro passo desse plano foi reconhecer que trabalhar menos significa ganhar menos. Pra ser justo, né? A não ser que eu ganhe na loteria, mas para isso eu precisaria jogar na loteria, e nunca jogo. Então a alternativa é ganhar menos. E, para ganhar menos e continuar a nos divertir, eu fiz um plano de simplificação da vida. Um plano de desapego.

Primeiro foi o carro. Eu tinha carro da empresa, mas os custos de combustível, estacionamento, multas e algumas manutenções eram meus. O stress do trânsito também era meu. Quando mudei para uma empresa que não tinha esse benefício, desapeguei. Deleite da minha planilha de controle de despesas as linhas: combustível, estacionamento, lavagem, multas, IPVA, seguro, manutenção.

Falta de carro me levou a desapegar dos sapatos de salto. Sapatilha custa um pouco menos que scarpin, mas o ponto aqui não é o custo. É a agilidade e a não preguiça. Quando a distância é curta, eu ando.

Depois foi a TV a cabo. Aquela que estava instalada na sala e no quarto e que nunca era acessada. Foi embora, coitada. Fiquei só com a Internet, o iTunes e a Netflix. TV em casa é só on demand, e o custo é menor.

Aí veio a mudança de casa, onde desapeguei de duas coisas em uma única tacada: a casa própria e o espaço extra. Vendemos nosso apartamento e fui morar com as crianças em um apartamento alugado que é 30% menor. Tem o espaço que precisamos e nada mais. Perdendo espaço, deixamos para trás as tralhas. Vendi e doei muita coisa. Não temos mais jogos imensos de pratos, talheres e taças, não tem eletrodoméstico encostado, não tem roupa que não usamos mais, não tenho mais 80 pares de sapatos, vendi grande parte dos livros, porque não cabe. Para comprar mais coisas, penso no que vou doar para caber. Tô mais leve.

O aluguel também me livrou de uma parcela do financiamento lotada de juros, de despesas extraordinárias do condomínio (sabem aquela reforma na academia que aprovam na reunião e que custa XXX reais por mês a mais no condomínio? eu não tenho nada a ver com isso), de alguns custos de manutenção que são responsabilidade do proprietário (infiltrações, por exemplo). Também nos deixou mais flexíveis para mudar de casa se precisarmos. Demorei um ano para vender o apartamento e fiquei um pouco traumatizada. Se para simplificar ainda mais eu quiser morar mais perto do trabalho um dia, é só agendar a mudança.

O desapego mais recente foi da empregada doméstica mensalista que vinha todos os dias. Trabalhando fora e com duas crianças, eu achei que não dava para viver sem. Achava ele iria me matar sem uma dessas. Mas não. Hoje temos só a babá e ajuda esporádica: sem nenhuma frequência definida (às vezes 7 dias, às vezes 10) eu chamo uma empresa de limpeza e pago por hora a limpeza pesada e passar roupas. O resto eu faço: arrumo as camas, mantenho a cozinha limpa, coloco as roupas para lavar, rego plantas. Eu, não, nós. Nessa história, as crianças ganharam responsabilidades de habitantes da casa: esticam o edredon de manhã e arrumam os bichinhos de pelúcia, levam a roupa suja no cesto, recolhem comida que cair no chão, ajudam com a roupa na máquina, guardam suas roupas e sapatos no lugar. Agora eles mesmos me falam: “a gente não tem mais ajuda e temos que deixar nossa casa limpa, né, mamãe?”. Isso. Eu também estou reaprendendo que, se deixar o tênis da academia na sala, ele vai estar lá quando eu voltar do trabalho. E também estou feliz por estar ensinando dois pimpolhos a serem bons roommates no futuro.

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Carta para minha filha

Querida filha,

Eu sei que você também sofre com todas as birras e descontrole, que não terminaram nos terrible two e já estão quase chegando aos four. Eu sei que é difícil ficar brava com o mundo, berrar até a garganta doer e se jogar no chão e bater a cabeça. Eu sei que eu sou a pessoa adulta nesse relacionamento e que é meu papel ter calma e paciência. Eu sei também que não sou um ser imaculado que tem calma e paciência 100% do tempo.

Mas você está me ensinando a ser paciente e tolerante. Você é a primeira pessoa neste mundo que nunca irá sair da minha vida mesmo que me irrite, que me teste ou que não faça as coisas que quero. Nós vamos ficar juntas e vamos tentar nos entender, para sempre.

Eu sei que você sofre de saudades. Eu sei que é difícil para você sair da escola com a perua e ser recebida em casa pela babá. Eu sei que você queria me ver antes. Sei também que no final do dia estou cansada, porque eu enfrento clientes atuais que precisam de atenção, novos clientes que entregam minhas metas de receita, chefe, equipe e colegas de trabalho que precisam de reuniões, materiais, definições e entregas. Você não tem nada a ver com isso e eu me esforço todos os dias para abstrair tudo isso enquanto estou no metrô para chegar bem humorada em casa.

Eu sei que todos os dias, sem exceção, você faz alguma bagunça feia na escola ou com a babá. O que você não sabe é que eu pedi para a escola e para a babá tentarem não me contar todas essas coisas em detalhes e hoje elas resumem, contam menos vezes, filtram um pouco mais. Fiz isso porque eu não quero chegar em casa todos os dias e ter conversas sérias e pesadas com você. Quero chegar em casa e te abraçar, ouvir suas histórias, contar sobre o meu dia. Quero te dar banho, brincar e te colocar para dormir. Quero te deixar feliz, quero te mostrar que não vou ficar brava e te dar broncas todos os dias.

Outra coisa que você não sabe é que eu entro no seu quarto todos os dias depois que você dorme para te cobrir e te abraçar. Você dorme pesado e nunca acorda. Você também não sabe que eu queria não ter perua e babá e te buscar na escola todos os dias, junto com seu irmão. Que eu questiono esse “esquema” todos os dias, mas que não sei qual outra alternativa funcionaria bem pra gente. Eu sei que você gosta de dormir cedo, porque isso te faz bem, então sei que não adianta chegar tarde e te deixar dormir uma hora mais tarde, porque você vai estar cansada demais para curtir esse tempo com a mamãe. Eu só não sei o que tenho que fazer para chegar em casa mais cedo todos os dias, sem que isso afete nossa renda e o meu equilíbrio.

Eu quero te ver feliz. Quero ver você tranquila, quero que se sinta linda, que seja querida pelo outros e que pare de roer suas unhas. Por favor, me ajuda a entender o que tenho que fazer para você parar de roer unha. Quero curtir você. Quero ficar mais tempo com você, sem essa de “tempo de qualidade”. Quero mais tempo mesmo. Queria levar você para trabalhar comigo amanhã.

Eu te amo muito, pequenina. Dorme bem, tá?

um beijo e um quentinho

Mamãe Ruri

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Ser (só) mãe

Hoje eu fiz tudo diferente: dispensei a perua de manhã e levei as crianças até a escola a pé, porque o dia estava bonito e eu queria ficar um pouco mais com eles antes da corrida matinal. No final da tarde saí cedo de uma reunião, dispensei a perua de novo e pedi para o taxi me deixar na porta da escola, um pouco antes das 18h. Meu filho quase morreu do coração quando me viu na porta da sala – eu amo essas manifestações intensas e energizantes de carinho.

Voltamos andando, conversando e cantando e paramos na padaria para um leite gelado com pão de queijo. Dispensei a babá e chegamos em casa super cedo, antes do horário que eles costumam chegar com a perua. Eles foram brincar no quarto, ainda era dia, tinha sol entrando pela varanda e a brincadeira rolou um bom tempo enquanto eu arrumava algumas coisas em casa, até chegar a hora do banho. Depois do banho dos três, brincamos juntos de jogo da memória e eles foram deitar. Deitei junto com minha filha e ficamos abraçadinhas um tempão até ela ficar bem sonolenta. Às 20h10 eles estavam desmaiados e eu percebi que fazia tempo que não me sentia tão feliz.

Ser mamãe e ser diretora de empresa juntos ao mesmo tempo é desafio demais. Tem que ter estrutura de apoio (a perua, a babá, a escola) e tem que gerenciar esta estrutura toda. Tem a culpa, tem a saudade, tem o cansaço. Tem cabeça em um lugar e coração no outro. Eu não nasci para ser mãe em tempo integral, mas hoje fiquei me perguntando seriamente se não estou errando totalmente neste modelo que escolhi.

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