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Ninguém é mãe de pet

Eu já tinha rascunhado um texto sobre o assunto há um tempo, mas achei que estava fazendo uma comparação infeliz entre crianças e cachorros. Mas o dia das mães está chegando e tenho lido outras mães/ mulheres falando sobre a não-maternidade de cachorros/ gatos/ periquitos e afins. Então queria dizer para vocês: ninguém é mãe (ou pai) de pet. Você ama e cuida, mas não isso não caracteriza uma maternidade/ paternidade. Você não está treinando para um dia ter um filho porque tem/ ama/ cuida de um pet, porque isso não treina ninguém para nada.

Então, para ser clara, vou comparar o que é ser mãe e o que é ter um cachorrinho (Ernesto, nosso cachorro, foi adotado há uns seis meses).

  • Eu me preocupei em ensinar *apenas* duas coisas para o Ernesto: fazer xixi/ cocô no tapete higiênico e não latir enlouquecidamente quando fica sozinho em casa. Ele aprendeu essas duas coisas super bem em apenas algumas semanas na família e coloquei um ponto final na minha missão de ensinar algo para ele. Ah, sim, depois ensinamos a sentar, deitar, dar a pata e buscar a bolinha, mas são “acessórios”, sabe? Não vou ficar estressada se não tivesse aprendido mais nada. Nem vou ficar me cobrando se eu não ensinar mais nada na vida para ele, ponto final. Enquanto isso, estou lá diariamente ensinando duas crianças a andar, falar, comer sozinho, usar o banheiro, escovar os dentes sozinho, tomar banho sozinho, letras, cores, formas geométricas, jogos, amarrar o sapato, respeito, regras, brincadeiras, explicando filmes. Daí virá o Ensino Fundamental, as lições de casa, as provas, as amizades, os esportes, os cursos de língua, a convivência, o vestibular, a bicicleta sem rodinhas, as frustrações. Não tem ponto final, não termina.
  • Ernesto aprendeu a não latir enlouquecidamente quando fica sozinho em casa porque, veja bem, ele fica sozinho em casa desde o dia UM por aqui. Enquanto eu ainda não posso nem descer para pegar a pizza na portaria e deixar meus filhos sozinhos no apartamento, deixo meu cachorro por horas sozinho. E ele não morre. E não sou presa. E não me sinto abandonando ninguém. Ele fica sozinho durante o dia se saio para trabalhar ou durante a noite se vamos passear sem nenhum stress. Deixo água, comida, caminha e brinquedo e ele sempre está vivo quando volto para casa.
  • E, mais: se vou viajar, entro na Internet e posso escolher qualquer pessoa para ficar com Ernesto. É claro que já elegi uma cuidadora preferida pelo DogHero e sempre deixo Ernesto com ela, mas se um dia ela não puder e eu precisar viajar, Ernesto vai conhecer alguém de uma hora para outra sem muito stress. E vai ficar bem, vai ficar feliz e ninguém vai me julgar. Só quem é mãe sabe o-que-que-é deixar os filhos com alguém, seja amigo, parente ou babá, para sair por algumas horas ou viajar sem eles. Não, não tem aplicativo para isto.
  • Ernesto come todo dia a mesma coisa em todas as refeições e acho que só troca de ração quando ficar velhinho, né? Vem pronta, é só por no prato, nem precisa esquentar, ele vai lá sozinho e come. Ele só toma água. Sim, compro uns petiscos de vez em quando e dou uns pedacinhos de legumes e frutas às vezes, mas ele viveria bem só de ração e água. Nem preciso dizer o quão trabalhoso é gerenciar a alimentação de uma criança.
  • Faço home office alguns dias na semana e fico em casa com Ernesto. Mas estou trabalhando e não dou atenção para ele. Não tenho que dar atenção, não me cobro por não dar atenção e não me sinto mal. Ele fica quieto no canto dele e eu fico no computador, aí de vez em quando trocamos um carinho e a hora de brincar/ passear fica pra depois.
  • Ernesto parou de crescer em poucos meses, então a roupinha que comprei pra ele ontem por causa da frente fria vai durar pra sempre. E ele provavelmente só vai ter essa roupinha, porque quando eu precisar lavar ele não vai se importar de ficar pelado algumas horas.
  • Quando chega a hora de dormir, não tem processo nenhum, sabe? Eu só faço os meus processos (banho, escovar dentes, pijama etc.), deito, apago e luz e pronto. Ele encontra a caminha dele e fica lá até o dia seguinte. Ele não acorda durante a noite. Se acordar, ele faz o que quer fazer acordado e dorme de novo.
  • Sim, cachorro dá despesa. Mas não se compara. Não tem escola, plano de saúde, despesas médicas que o plano não cobre, roupas, sapatos, fraldas, refeições, brinquedos, material escolar, produtos de higiene de uso diário, Internet, festinha de amigo, cinema, aula de natação, curso de inglês, mesada, dinheiro do lanche, excursão da escola, livros.

Amo o Ernesto e acho o máximo ter cachorro. Amo muito e cuido muito, não tô dizendo que não dá trabalho. Ainda que seja tudo mais simples, ele faz sujeira, come, toma banho, precisa brincar e passear, fica doente e vai no médico. Faço com o maior prazer do mundo, dou e recebo muito amor dele, mas nada disso me faz mãe. O que me faz mãe são dois espuletas de cabelos encaracolados, eles, sim, me fazem mãe.

E, no papel de mãe, me sinto culpada, sou julgada, sou oprimida, sofri assédio moral no trabalho, tenho medo de errar, tenho muitas dúvidas sobre o que fazer, me sinto sozinha, me arrependo de coisas, mudei minha carreira, tenho menos liberdade, tenho uma responsabilidade maior que qualquer outra coisa que já tive na vida e sofro. Ser mãe tem seu lado bastante difícil, já falei várias vezes, e isso tudo faz parte da maternidade e nada disso existe quando você cuida de um cachorro. Por isso, afirmo: ninguém é mãe (ou pai) de pet.

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O desafiar e o acolher

Ninguém me desafiou a postar fotos da minha maternidade feliz nas redes sociais. Também nem seria um desafio, pois eu sempre postos muitas e muitas fotos mostrando momentos felizes que me fazem amar ser mãe. Eu, minhas amigas, amigas das amigas, quase todas as mães fazem isso. Não é nenhum desafio postar foto feliz. E, se acha legal fazer isso, faça, é legal fazer.

O desafio é reconhecer que são muitas dores junto com as delícias da maternidade. Muitas, tá? Eu comparo maternidade com a minha academia matinal e com minhas idas à depilação. Dói, a gente sofre, muitas vezes a gente não quer, cansa, às vezes enche o saco, às vezes dói bem mais que na vez anterior, dá vontade de parar no meio, dá vontade de sair correndo, a gente fica se arrependendo de não estar em casa dormindo em vez de estar lá sofrendo. Mas depois o resultado é ótimo, faz bem pra saúde, me deixa feliz, me acho mais bonita e eu volto.

Eu amo ser mãe mas tem vários momentos em que eu desejo não ser mãe. Não tem nada a ver com meus filhos. Mesmo quando eles estão encapetados com o diabo no corpo, eu nunca desejo não ser mãe porque, sei lá, acho que essas coisas fazem parte. Odeio, mas acho que fazem parte. Pra mim é diferente: eu desejo não ser mãe em situações onde eu acho que meu mundo seria bem mais fácil sem eles. Vou contar alguns exemplos recentes (tudo em uma semana só).

  • Essa semana cheguei um dia em casa num calor e num cansaço tremendo e pensei em jantar pipoca com cerveja. Queria um treco bem salgado com algo bem gelado sem muita sujeira na cozinha. Mas eu tive que lidar com arroz, feijão, alho, cebola, temperos, quiabo, farinha de mandioca, <alguma outra coisa que não lembro>, manga cortadinha e suco. Queria não ser mãe neste dia.
  • Estamos sofrendo passando por uma reforma no banheiro da suíte por causa de um vazamento. A obra é no banheiro, mas o pó voa por todo o quarto, então tivemos que desocupar todo o meu quarto (incluindo o que estava no armário, que não é tão vedado assim) e o banheiro para os moços trabalharem. Virou caos, né? Chego em casa com aquela imundice e tem duas crianças espalhando mais ainda o pó. E precisei colocar os dois para dormir no mesmo quarto (já que fui deslocada também) e eles começaram a dormir mais tarde, acordar no meio da noite e levantar mega cedo por motivos de bagunça-com-qualquer-novidade. Queria não ser mãe durante reforma de banheiro.
  • Tinha um trabalho para entregar segunda de manhã e não terminei na sexta-feira até o horário de eles chegarem da escola. Coloquei pra dormir e segui trabalhando sexta à noite, mas não terminei. No final de semana eu tinha que trabalhar e não tinha negócio. É óbvio que eles já conseguem se concentrar para assistir um filme de duas horas, mas não é quando eu quero, é só quando eles querem, e ninguém quis ver filme pra mamãe poder fazer slide. E eles lá naquela energia toda e eu só pensando que ia me f#*$&*$%&$* e trabalhar a madrugada toda depois que eles finalmente dormissem. Queria não ser mãe neste final de semana.
  • Tenho uma aula daqui duas semanas e não acho UM ÚNICO SER VIVO nesta cidade que fique com eles neste dia (na amizade, tá, que eu sei que posso pagar babá folguista mas nos últimos tempos babá folguista custa mais do que eu ganho). Queria não ser mãe no dia da aula.

Enfim. Tô dizendo tudo isso porque é muito triste ler o julgamento que as pessoas fazem a uma mãe que faz um desabafo com relação a maternidade. “Por que não dá seu filho para adoção?”, “na hora do sexo foi bom, né?”, “devia tomar antidepressivo”, “só engravida quem quer”, “você devia saber como evitar um filho”. Gen-te-do-céu. Parem com isso.

A gente precisa aprender a acolher. Uma das coisas que a maternidade me ensina é a acolher, mesmo que no primeiro momento eu ache que o problema do outro é irrelevante. Explico: é muito comum uma das crianças vir chorando na minha direção com um problema que parece bobo (brinquedo quebrou, não acha alguma coisa, o irmão não quer fazer alguma brincadeira). Eu aprendi nestes anos como a mãe a não subestimar a tristeza deles, mesmo que dê vontade de dizer “ah, que bobeira, deixe de ser bobo e vá fazer outra coisa”. Eu entendi que o mundo deles é brincar e que qualquer coisa relacionada a isto que dá errado chateia muito. E que é muito legal da minha parte acolher, ouvir, tentar ajudar a resolver ou ajudar a encontrar alternativas. Eu, no mínimo, dou um abraço.

Então, galera, mesmo que a gente não entenda o quão difícil pode ser um bebê de dois meses (eu, por exemplo, não sei) ou mesmo que a gente tenha achado super simples e fácil ter um recém-nascido, é legal acolher a mãe que está desabafando porque tá difícil pra ela. Ajuda, sabe? A gente não precisa resolver os problemas dos outros. Apenas acolher os problemas dos outros já faz a humanidade ser melhor.

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Construção do afeto

Essa história de que a gente já ama a criança mesmo antes de ela chegar é bullshit. Durante a gestação, seja ela biológica ou “do coração”, a gente ama o conceito. A gente quer ter filho, quer ser mãe, quer aumentar a família e fica esperando uma criança para satisfazer os desejos. Não estamos amando uma criança e nem amando a maternidade, estamos amando um sonho, um desejo, uma vontade. Então a(s) criança(s) nasce(m)/ chega(m) e você diz pra ela: “oi, pequeno estranho, então é você que veio realizar meu sonho?”.

Estranho, sim. A criança que chega é bonitinha, fofa, engraçadinha, mas é uma pessoinha estranha, que você não conhece e não faz a menor ideia de como vai ser. Quando meus pequenos estranhos chegaram, eles não me mostraram loucamente o quão lindo é ser mãe. Nada disso. Eles fizeram um cocô fedido (e eu tive que lidar com minha primeira fralda na vida), um deles não me deixou de jeito nenhum escovar os dentes, eles choraram infinitamente sem conseguir me explicar o problema, o outro colocou a mão no vaso de plantas e jogou terra pelo chão da sala toda (e ainda riu quando eu reclamei). Eu também não fiquei tentando mostrar o quão linda é a maternidade: eu fiquei preocupada com a comida que eles iriam comer, com as coisas que não tínhamos em casa e deveríamos ter (tá com febre? kedê termômetro? COMO ASSIM NÃO TEM TERMÔMETRO?), tive nojo de sujar a mão de cocô quando eu ia limpar, fiquei brava com a quantidade de vezes que eles queriam brincar com objetos de decoração em vez de usar os brinquedos, ouvi choro e mais choro sem saber o que fazer.

Porque é isso: ser mãe dá trabalho e não existe manual, nem regra, nem previsão do vai acontecer e tudo o que era fácil na vida (gente, como era fácil apenas fazer jantar e comer antes de ter filhos) começa a virar um inferno processo imenso. Como é que entra amor nessa história toda? Pois é. Não sei.

Eu não sei em que momento comecei a amar tanto. É claro que eu gosto deles desde que chegaram em casa, senão eles não teriam vindo para casa. Sempre gostei muito deles, mas no início o principal sentimento que eu tinha era cuidado. Tinha que cuidar. Tinha que cuidar para que eles não morressem, para que se alimentassem bem, para que não ficassem doentes, para que se recuperassem de doenças, para que não chorassem tanto, para que ficassem felizes, para que aprendessem as coisinhas da idade, para que estivessem limpos, seguros, tranquilos, aquecidos/ fresquinhos, sem fome, sem sede, sem medo etc. etc. etc. Nos meus primeiros meses eu quis desempenhar meu cargo de mãe da melhor forma possível seguindo todo o job description, porque eu tinha sonhado tanto com isso que não poderia ser uma mãe meia boca. Não é que eu estava lá amando. Eu estava lá tentando performar bem e afastando todo e qualquer pensamento do tipo “mano do céu, que foi que eu fiz da minha vida?”.

O afeto veio aos poucos, um pouquinho por dia, até virar esse amor imenso que sinto hoje. Depois de três anos e meio juntos, eu continuo controladora, cuidadora e doida como escrevi acima. Mas hoje não é só isso. Em algum momento eles viraram de verdade a parte mais importante da minha vida. Eles são meus melhores amigos, são as duas pessoinhas que eu conheço melhor nessa vida e são as duas pessoinhas que me conhecem melhor também. Consigo saber o que eles estão sentindo e como vão reagir só de olhar pra eles. Não consigo ficar muito tempo longe deles. Gosto da companhia, do cheirinho, do olhar. Gosto até das bagunças. É claro que existem coisas que não gosto, de verdade, não gosto mesmo: não gosto de ser acordada de madrugada, detesto quando eles falam com a boca cheia de comida e vem aquele monte de pedacinho de comida mastigada na minha cara e na minha roupa (vale também quando escovam os dentes), fico brava quando peço para não fazer alguma coisa e eles ignoraram totalmente e continuam fazendo, não gosto quando ficam bravos comigo e batem porta, me xingam e dizem que não gostam mais de mim. Não gosto de um monte de coisas nessa história toda de maternidade, mas hoje eu sei o que é “amor de mãe”, “amor incondicional”, “maior amor da vida”. Só que só fui experimentar estes sentimentos todos aos poucos, com o tempo, quando o trabalho todo deixou de ser tão dolorido e passei a ver prazer nos cuidados e em ter duas pessoinhas dependendo de mim e me querendo tanto.

Amo meus filhos porque eles são incríveis, eles são as pessoas mais incríveis deste mundo. E amo ser mãe. Não amo ser mãe porque maternidade é uma coisa linda. Maternidade é uma coisa do cão, na verdade. Amo ser mãe porque meus filhos me transformaram em uma versão muito melhor de mim mesma. Sou menos egoísta, menos ambiciosa, menos workaholic, menos consumista, cuido bem mais das minhas atitudes porque quero ser um bom exemplo, me alimento melhor porque não quero que eles consumam bobeiras e me tirei do foco central da minha vida pela primeira vez para dar lugar a outra pessoa.

Ainda bem que essa coisa toda de filho e de ser mãe é pra sempre, é definitivo, não muda, não acaba, faz parte de mim, faz parte deles, porque é bom demais!

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Hoje meu filho tem consulta, chefe

Um dos maiores desafios nessa história toda de conciliar carreira e maternidade para mim foram as consultas médicas. Meus filhos são super saudáveis e não têm nenhum problema grave de saúde, mas acontecem muitas consultas. Tem a pediatra, a dentista e a oftalmo da Ruth que são semestrais, tem as terapias semanais que eles fazem, tem consultas eventuais com algum especialista diferente, aí estes profissionais todos pedem exames e avaliações. Tudo isso que estou falando deve ser feito em horário comercial, porque médicos trabalham em horário comercial. E criança também só funciona bem em horário comercial; não dá para marcar pediatra às 20h e achar que eles vão colaborar com o processo todo num super bom humor. Então eu tinha um emprego em horário comercial, consultas médicas acontecendo em horário comercial e muito samba para conciliar. Consulta cedinho, consulta no almoço, consulta no finalzinho da tarde, tudo para ser boa profissional.

Só para detalhar: não é só o horário da consulta em si. Levar uma criança a uma consulta médica envolve sair de onde você estiver (no escritório), buscar a criança onde ela estiver (na escola, no caso a 45 minutos do escritório), fazer o deslocamento até o médico (30, 45, 60 minutos), esperar (x?), ser atendido (30, 45, 60 minutos), fazer o deslocamento até onde a criança estava, voltar até onde eu estava. Somei aí umas quatro horas na brincadeira. Meio período. Metade das horas que eu deveria trabalhar. E, não. Não adianta achar que, só porque cheguei 12h no escritório porque levei alguém numa consulta, vou poder trabalhar 4 horas a mais no final do dia, porque no final do dia tem que buscar na escola, tem que ir para casa, tem que ser mãe de novo. Eles não iam me esperar na escola até às 22h só porque eu entrei mais tarde. Não existe isso.

Isaac passou meses com acompanhamento mensal de um tratamento que fez nos dentes. Para não perder horas no trabalho, montei um esquema assim: meu padrinho (santo padrinho que meus pais – ele espírita e ela budista – me deram quando resolveram me batizar na igreja católica sei lá por quê) ia para minha casa às 7h no dia da consulta (ou seja, ele saía da casa dele umas 6h20), íamos juntos até o consultório (50-60 minutos de deslocamento), Isaac era atendido às 8h, saímos de lá umas 9h, meu padrinho partia com ele para a escola e eu ia para o outro lado trabalhar. Chegava no escritório 9h15 e ninguém percebia nada. Lindo.

Num desses dias, eu já estava pronta para sair com Isaac e meu padrinho me avisou que não ia conseguir ir comigo, estava passando mal. Desmarcar a consulta em cima da hora com o menino já prontinho para ir também não me parecia legal com meu filho. Afinal, o tratamento era importante, era minha responsabilidade levá-lo no acompanhamento todos os meses. Então fomos. No caminho, liguei para minha mãe, mas ela também estava enrolada, o que é compreensível, já que ninguém está à disposição de mães solteiras numa segunda-feira às 7h da manhã. Se eu tivesse que levar Isaac de volta para a escola para ir trabalhar depois, eu ia chegar no escritório umas 11h. Minha mãe sugeriu, então, que eu fosse para o escritório com ele e ela poderia ir buscá-lo umas 10h e pouco. A ideia era linda: eu não ia passar 2h do meu dia me deslocando e poderia começar a trabalhar no horário que eu queria. Isaac ficaria uma horinha desenhando ao meu lado e iria embora com a vovó. Plano B acionado e combinado. Teria sido perfeito, outra ótima solução para conciliar carreira e as consultas médicas que a maternidade nos traz. Se meu filho não tivesse sido proibido de ir comigo ao escritório. Ponto. Não sei mais o que dizer. Ponto. F$#*&$#*, né?

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Carreira e maternidade convivem bem?

Aí eu tô jantando com uma moça-sem-filhos-aspirante-a-futura-mãe, que me pergunta qualé que é esse negócio de conciliar carreira e maternidade. Dúvidas das mais comuns: é fácil? as empresas apoiam? seu chefe te entende? você pensa em largar tudo?

Óbvio que não é fácil, foi minha primeira resposta. Óbvio que as empresas apoiam desde que você trabalhe muito, bata todas as suas metas, esteja sempre à disposição e não deixe os filhos interferirem no trabalho, foi a segunda resposta (e nada como uma boa dose de mau humor no sábado à noite, né?). E óbvio que ninguém que não seja mãe entende direito.

Quando eu falei “mãe” eu entendi onde está o problema nesse treco todo. “Mãe” e “maternidade” são os problemas! Como nunca pensei nisso antes? Em primeiro lugar: a gente deveria usar um termo que não seja sexista para falar sobre “maternidade”, alguma tradução que não me veio agora para parenting. Parenting é “the process of taking care of children until they are old enough to take care of themselves: the things that parents do to raise a child”. Sacaram? Algo assim: é o cuidado com uma criança até que ela tenha idade suficiente para cuidar de si mesma: são as coisas que os PAIS fazem para criar uma criança. Porque mãe e pai estão – ou deveriam estar – envolvidos igualmente no processo, é ou não é?

Sim, os tempos mudaram e muitos pais estão bem envolvidos no processo todo. Significa que dão banho, trocam, colocam para dormir, fazem e dão comida, brincam, acordam de madrugada para acudir. Isso já deve ter sido bem pior para as mães em outros tempos. E o onde está o desafio de conciliar carreira e parenting? Está em continuar a ser parent enquanto a gente exerce nossa profissão. O desafio existe no horário comercial, porque ser pai e mãe quando se está em casa é muito fácil, qualquer um faz. O desafio está em dar conta das coisas que continuam acontecendo com nossos filhos em horário comercial: consultas médicas, exames, doenças – aquelas coisas que sempre acontecem fora de hora, reuniões na escola, tratamentos diversos, babás que faltam, escolas que não abrem na emenda de feriado, provas e trabalhos escolares, crianças com saudades que querem que seus pais cheguem cedo em casa.

Numa matemática óbvia: se todo pai assumir metade das preocupações que um filho gera em horário comercial, conciliar carreira e maternidade já seria 50% mais fácil para as mães. Simples assim. Tá, gente, você conhece, você tem, você já viu, você até já conviveu com um pai que realmente assume metade das preocupações. Eu também, eu sei que existe. Só não consigo acreditar que seja a maioria. Quantos executivos bem sucedidos vocês já conheceram com muitos filhos? Um monte, né? Já viram algum deles atendendo uma ligação da escola para avisar que o filho está com febre, e realmente tomando alguma providência (ligar pra mãe não vale)? Já viram algum deles sair no meio de uma reunião para levar a filha ao pronto-socorro por causa de uma otite? Pensa bem. Passa na frente do consultório de um pediatra e me diz quantas crianças estavam acompanhadas apenas pela mãe e quantas crianças estavam somente com o pai. Vai lá em uma reunião da escola e conta o número de mães e o número de pais que estavam por lá.

Quando isso acontecer, quando parenting for realmente um processo executado pela mãe e pelo pai igualmente, as empresas começarão a ver que é difícil para qualquer pessoa que tenha filho, seja ela a mãe ou pai. Porque esta é a parte injusta da coisa. Você tem o mesmo cargo que um homem e o mesmo número de filhos que ele e só sua vida é super bagunçada, com um monte de compromissos dos filhos para encaixar no meio da agenda de trabalho. Ele tá lá todo lindo cumprindo tudo o que tem para fazer e aparece todo cheiroso com os filhos na festa de final de ano. E você é a doida que tem que dizer que às quintas não consegue chegar às 9h nas reuniões porque o filho tem fono e você sempre atrasa um pouquinho nesse dia ou que aparece com a filha no escritório com uma virose, porque a escola não deixou ela ficar lá e você não tem com quem deixá-la e também não podia deixar de terminar alguma coisa no trabalho. E aí ter uma mãe na equipe é super difícil de gerenciar, enquanto ter um pai na equipe é tudo de bom, porque além de bom profissional, ele também consegue ter uma vida pessoal equilibrada ao lado de uma família de comercial de margarina (sorry, deu vontade de usar este clichê).

Ah, sim, existe uma maneira alternativa de conciliar maternidade e carreira que se chama “babá que dorme no emprego”. Já trabalhei com algumas mães que usam este recurso: elas pagam para ter alguém disponível 24 horas para suas crias (incluindo tudo, tudo, tudo o que você pode imaginar), enquanto elas trabalham, viajam a trabalho, dormem fora a trabalho, chegam cedo no trabalho, saem tarde do trabalho. É um modelo que nem considero, então não vou falar muito sobre isso.

A conclusão da conversa com a moça foi que vai ser f pra caramba. Eu desejei que ela encontre um bom parceiro para esta história toda e que realmente assumam metade cada um, mas avisei que isto não vai melhorar muito a vida dela. Não vai melhorar porque não adianta um único homem fazer isso. A maioria dos outros homens com quem ela vai trabalhar vão continuar mais focados e com menos problemas de crianças interferindo no trabalho e, mesmo com só 50% do trabalho, ela vai continuar a parecer improdutiva. Tô pessimista, eu sei. Ela tem planos de ter filhos daqui uns 8 anos. Não vai mudar nada até lá, não.

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É. Difícil.

Gente, tô de mau humor hoje, juntando uma TPM, um carro sem combustível na chuva, uma agenda de reuniões no trabalho difícil de coordenar e um calor que dá vontade de andar pelada por aí. Então vou ser um pouco amarga, ok?

Eu lembro bem quando saí da casa da minha mãe para morar sozinha e achei a vida de adulto muito difícil. De repente, além de trabalhar e estudar (eu fazia mestrado na época), eu tinha que cuidar de um apartamento (incluindo problemas no encanamento e chuveiros que quebram no meio de uma semana caótica), de contas para pagar (incluindo lembrar de pagá-las, além de ter o dinheiro), de coisas para resolver (incluindo agendar e levar o carro na revisão, já que minha mãe não estava mais por perto para pedir favores aleatórios do dia a dia), tudo sozinha. Aí eu resolvi virar mamãe e somei a tudo isso o piémôu do projeto “conduzir dois bebês da infância até a vida adulta”.

Mano, não é mole, tá? Eu não tinha noção do quanto é difícil ser mamãe até virar uma mamãe. Hoje eu tenho admiração e compaixão por todas as mamães do mundo. Sério mesmo. Hoje sei que nenhuma escolha relacionada à maternidade é simples e admiro todas elas.

Eu escolhi conciliar trabalho e maternidade. Fazem parte dessa escolha argumentos como: 1) eu gosto de trabalhar, 2) eu não suporto ficar muito tempo em casa, 3) eu não nasci rica, 4) eu não me casei com um papai rico, 5) eu não ganhei na loteria até agora. Mas esses argumentos não vêm ao caso. O caso é que estou aqui tentando conciliar dois papéis e até agora não encontrei a fórmula mágica para estar totalmente feliz, satisfeita e realizada com a minha escolha.

Nesses doze anos desde que comecei a fazer meu primeiro estágio, nunca tive um ano tão confuso no trabalho. Trabalhar sempre foi o cargo principal exercido durante a semana e, apesar de nunca ter sido apaixonada por trabalhar aos finais de semana, virar madrugadas ou ter que viajar, eu nunca tinha tido tremedeiras ao pensar nessas coisas. Sempre trabalhei com coisas que eu gostava, sempre fui do tipo que abraçava mais coisas que cabiam nas 8 horas diárias, sempre fui dedicada, comprometida, disponível e feliz com tudo isso. Só que de uma hora para hora, eu não tinha mais que 8 horas por dia para ficar no escritório, não conseguia mais abraçar tudo o que eu queria, mas continuo gostando do que faço, continuo tentando ser feliz com tudo isso e passei a sofrer por não me achar mais tão dedicada, comprometida e disponível como eu era antes.

Quem fica escrevendo por aí que as mamães ficam mais produtivas depois da maternidade só deve ter conhecido mamães de sorte cujas rotinas nunca saem do previsto. Eu tento, tá? Juro. Mas a escola me liga no meio do dia para falar sobre os mais variados assuntos, fazendo meu coração pular cada vez que acho que aconteceu alguma coisa grave com eles. Eles ficam doentes e me fazem agendar consultas, exames, passar na farmácia, trabalhar de casa, tudo no horário que eu queria estar bem produtiva no escritório. A empregada pede demissão e me faz agendar entrevistas e mais entrevistas para encontrar uma nova pessoa para me ajudar com os dois no final do dia. E por aí vai.

Tá. Tô exagerando. Essas coisas não acontecem toda semana, mas acontecem de vez em quando e, quando acontecem, deixam a mamãe louca. É óbvio que meus filhos são prioridade, então é óbvio que paro o que estiver fazendo para resolver qualquer problema deles. Quando estou com eles, estou só para eles. Não atendo o celular, não checo e-mails, não respondo mensagens e só volto a ficar conectada para o mundo depois que eles vão para a cama. Chegar tarde para vê-los dói, como contei aqui. E, por serem prioridade e as coisinhas mais importantes da minha vida, eu tive que colocar alguns limites no trabalho por causa dos dois.

Colocar limites parece fácil, né? Eu não consigo chegar cedo demais em uma reunião porque não consigo adiantar o horário que a escola abre e também não acho tão legal ficar acordando os dois de madrugada para sair cedo de casa. Eu não consigo trabalhar até mais tarde porque eu não quero ser a mamãe que chega em casa e as crianças já estão dormindo. Eu não consigo viajar a trabalho porque dormir longe dos dois me destrói. Eu não consigo trabalhar aos finais de semana porque é meu tempo com eles, só para eles e nós precisamos desse tempo juntos. Fácil falar, né? Mas se eu não consigo fazer nada que extrapole minhas 8 horas diárias mas também não consigo ser 100% produtiva durante as tais 8 horas, que catso estou fazendo para merecer o salário no final do mês?

Ah, o salário. Eu gosto do salário e não posso ficar sem o salário. Claro, eu acho que eu devia e precisaria ganhar um pouco mais, porque o salário nunca dá para tudo o que quero fazer no mês (e sei que esse não é um problema só meu no mundo). Eu também olho pro orçamento e não sei onde reduzir para fazer caber em um salário menor, então gostaria que meu salário ficasse no mínimo onde ele está hoje. Mas para merecer, eu preciso trabalhar direito. Aí alguém me explica cadê o jeito de conciliar direito esse negócio de trabalho e maternidade? Como eu me livro dessa sensação diária de que não sou boa nem em uma coisa nem em outra?

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