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A história da lata

Esta história não é um desabafo, porque já desabafei bastante. Também não é uma reclamação, porque reclamei bastante (por escrito, por telefone e pessoalmente). É apenas uma das histórias que me mostram como é importante sermos participativos na vida e na educação dos nossos filhos.

A escola pediu uma lata de leite condensado da marca X para cada aluno até o dia tal para uma atividade em sala de aula.

Eu fiquei brava.

Leite integral, açúcar e lactose. Primeiro, eu sou vegana, ou seja, não consumo derivados do leite. Meus filhos não são veganos (eu compro leite de vaca para eles), mas gostaria de ser respeitada, porque eles poderiam ser veganos também, uai. Segundo, eu não uso açúcar refinado em casa (aliás, nem o açúcar demerara orgânico que temos em casa saiu do armário nos últimos meses). Terceiro, eu tenho dois filhos, então duas latas de leite condensado até o dia tal seria bastante doce para uma família de quatro pessoas. Quarto, nós poderíamos ser alérgicos a lactose, ou poderíamos ter alguém na família em um regime, ou poderíamos preferir o leite condensado caseiro. Ou poderíamos já ter comprado outra marca, já que tinha uma marca específica para levar. Enfim, a primeira questão que levantei com a escola foi “que p é essa de leite condensado da marca X”? Erro número um: assumir que todo mundo consome ou deveria consumir leite condensado da marca X.

– Vou mandar lata de ervilhas, ok? – também não costumo comprar lata de ervilhas, mas preferia comprar ervilhas, usá-las em alguma receita e mandar a lata para a escola.

– Não serve, porque o tamanho não é o mesmo, e nós precisamos do tamanho XPTO da marca X para fazer a atividade.

Vamos ao segundo erro nessa porcaria toda. Se a atividade é com lixo, ela tem objetivo de ensinar para as crianças o reaproveitamento do lixo. A ideia, na minha humilde opinião, era mostrar que algo que iríamos jogar no lixo poderia ser reaproveitado em uma atividade ou em uma brincadeira. Então, eu esperava que meus filhos aprendessem isso. Eu esperava comer as ervilhas e mostrar que a lata não tinha ido para o lixo, mas, sim, para a mochila. Não esperava ter que comprar leite condensado, jogar o conteúdo na pia da cozinha e mandar a lata para a escola. Pra ser assim, era melhor entrar em uma loja e comprar um pote logo de uma vez. Oras.

– Nenhum outro pai ou mãe reclamou disso? Só eu?

– Só…

Realmente. Quando conversei com o grupo de mães da sala da Ruth e da sala do Isaac, ninguém estava com o mesmo problema que eu. Pelo contrário. Duas mães foram bem gentis e mandaram a lata de leite condensado da marca X para a Ruth e para o Isaac.

Eu até pensei em insistir em mandar latas de ervilhas. Por que não fiz isso? Porque Isaac e Ruth ainda não muito novos para carregar nas costas esse erro todo do processo. Eu não quis que eles fossem os únicos com latas diferentes dos amiguinhos e se sentissem mal com isso. Porque aí vem o erro três: se a escola tivesse pedido simplesmente “latas”, cada criança traria uma lata diferente e meus filhos não se sentiriam excluídos com suas latas de ervilhas. A justificativa da escola aqui é que tinha que haver um padrão. Tá bom, que pedissem latas de comida então, embora eu duvide muito que alguém fosse mandar uma lata de tinta de parede.

Parecia tudo resolvido, até o belo dia em que chegaram em casa com o produto da tal da atividade. Chutem, gente.

Vasinhos.

Vasinhos de flores. Para comemorar a chegada da primavera.

Erro quatro: em que momento alguém entendeu que vasinhos de flores precisam ser padronizados?

Vasinhos. De flores. Padronizados. Como se fosse ser bem esquisito cada criança ter um vasinho de flores de formato diferente.

varanda

(Esta é minha varanda bem esquisita, com tudo despadronizado)

Ah, pensam que parou por aí? Não. Claro que não. Não é que era tudo exatamente padronizado. O vasinho da Ruth era vermelho e o vasinho do Isaac era verde. Porque temos vasinhos de meninas e vasinhos de meninos. Porque depois de tudo isso somos sexistas e deixamos isso bem claro para as crianças. E lá se foi ao erro cinco.

vasinhos

Só para fechar (e prometo que paro): tá na cara que foi o Isaac e a Ruth que criaram isso aí, né? Tô bem vendo os dois nessa delicadeza toda fazendo essas flores. Liberdade de criação, pra quê?

Pronto, parei.

Já falei com a escola sobre esse assunto diversas vezes, já abri meu coração e reclamei sobre tudo o que eu podia ter reclamado. Já tô mais calma.

Sim, a escola cometeu muitos erros e perdeu uma grande oportunidade de discutir com as crianças o reaproveitamento do lixo e de incentivar a criatividade delas. Também perdeu a oportunidade de não ser sexista. Mas também acho que nós, pais, cometemos o erro de não pensar nessas questões, de não discutir as questões com a escola, de sermos passivos com o que a escola propõe para nossos filhos.

Eu não consegui mudar uma palha no processo todo, mas fico feliz por ter levantado a bunda da cadeira e ido até lá para falar diversas vezes. Falei bastante também sobre a questão da lanchonete fast food (lembram dessa história?), mas também não consegui mudar nada. Mesmo assim, tô aqui fazendo minha parte no que acho importante na educação dos meus pequenos, e realmente espero que a escola também pense melhor nessas questões.

Meu convite aqui não é apenas para as mães e pais dos amiguinhos do Isaac e da Ruth. É para todos. É um convite para que todos participem mais da vida escolar das crianças. As escolas são responsáveis por pensar, mas nós também temos o poder de mudar as coisas. Pelos nossos filhos, vamos?

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Leitura para mamães

Eu não tive muito tempo para ler livros e mais livros sobre maternidade porque meus filhos chegaram em tempo recorde. Cheguei a comprar esse aqui, mas não passei da página 5. Esses livros me lembram auto-ajuda e me dão um certo pânico. Coisas do tipo “como ser uma boa mãe” ou “como educar bem seus filhos” me dão medo. E eu também tive sorte de nunca precisar ler livros como esse aqui, porque meus bebês sempre dormiram lindamente a noite toda.

Mas eu trombei com um livro na África do Sul sobre maternidade em um dia em que todos os livros que eu tinha levado para lá já tinham acabado, chamado “French children don’t throw food, e comprei. Escrito por uma norte-americana casada com um inglês que vive na França com seus filhos, ela começa o livro comparando as mães francesas – elegantes, bem-vestidas e calmas – com as mães norte-americanas – descabeladas, fora de forma, usando roupas de moletom e gritando e correndo atrás de crianças mal-educadas. E ser uma mamãe-descabelada-gritando é algo que ninguém se planeja para ser, né?

A autora descreve no livro as principais coisas que aprendeu com suas amigas e colegas francesas. Algumas dessas coisas, como não se permitir comer o que quiser e engordar horrores na gravidez (porque depois o trabalho de voltar ao manequim original é maior) e esperar um pequeno tempo antes de sair desesperada para acudir um bebê chorando, não serviram para meu caso porque eu não engravidei e não cuidei de um recém-nascido. Mas eu gostei de uma porção de coisas que ela escreveu e tento fazer parecido.

Uma das primeiras coisas que ela conta é que sempre se sentia envergonhada quando levava o filho em restaurantes na França, pois eles eram a única família que não conseguia jantar tranquilamente. Cena clássica que apavora muitos amigos: crianças correndo e gritando porque não querem ficar sentadas à mesa e mães correndo e gritando atrás das crianças tentando contê-las. Quando saímos para comer fora com os bebês, eles participam o tempo todo do programa. Ficam sentadinhos no cadeirão, interagindo conosco (conversando, cantando ou brincando – nunca coloco Galinha Pintadinha no Ipad só para poder comer em paz, gente). Comem ao mesmo tempo que comemos, o mesmo tipo de comida, comem sobremesa, esperam a conta chegar e só então se levantam conosco para ir embora.

A segunda coisa é saber preservar a vida e rotina de adulto. É claro que nossas vidas mudam muito quando os bebês chegam e eles se tornam prioridade. Mas não dá para deixá-los tomar conta de todo o tempo do mundo. Gosto que meus filhos durmam cedo porque gosto de jantar com calma, gosto de ler, gosto de escrever, gosto de ouvir música de adulto e assistir filmes de adulto, gosto de receber amigos para conversar, e não dá para fazer essas coisas com dois brigadeirinhos falantes e bagunceiros acordados. Depois das 20h é o tempo que mamãe e papai têm vida de adulto em casa. Não gosto de brinquedos espalhados pela casa toda pelo mesmo motivo. É claro que é uma casa onde moram crianças, e temos cadeirões na cozinha e uma mesinha onde ficam os brinquedos na sala de estar, mas os brinquedos e coisas de crianças não dominam a decoração fora do quartinho deles.

Outro ponto é sobre o relacionamento deles com outras pessoas. Além de já terem aprendido a falar “por favor”, “obrigado” e “desculpas”, faço questão que eles digam “oi” e “tchau” para todos as pessoas que encontram. Eles cumprimentam todas as visitas que vêm em casa, a moça que trabalha aqui, os vizinhos no elevador, as outras pessoas no supermercado. Estamos ensinando os dois a esperarem a vez para falar e a não interromperem uma conversa. E estou struggling para ensinar a pedir as coisas sem chorar, sem exigir ou sem espernear, mas não vou desistir. 🙂

Nós também estamos ensinando – ou tentando ensinar – o conceito de autonomia. Toda semana eles ganham alguma nova responsabilidade ou passam a fazer alguma coisa sozinhos. Comem sozinhos na maioria das vezes, estão aprendendo a pegar os sapatos no armário e calça-los sozinhos, guardam os brinquedos e recolhem coisas do chão sozinhos se fazem alguma bagunça. Mais que isso, ultimamente estou dando autonomia para resolverem sozinhos seus próprios problemas. Todo mundo que tem irmão sabe que é normal brigar, e eu passei um bom tempo fazendo o papel de conciliadora, o que, além de tudo, me estressava demais. Não é fácil ficar abaixada para olhar nos olhos de dois bebês de dois anos chorando, apontando pro irmão, e reclamando algo como “pegou meu brinquedo buááááááá´”. Agora deixo que eles resolvam sozinhos quem vai pegar tal brinquedo ou quem vai fazer alguma coisa primeiro, e só fico de olho para que não se machuquem – porque não pode resolver conflito com mordidas e arranhões, bebês!

E, por fim, eles estão aprendendo que quem decide as coisas em casa é a mamãe ou o papai. Eu não negocio coisas como hora de dormir, hora do banho ou hora de comer. Não tem chantagenzinha do tipo só-um-desenho-e-depois-vai-pra-cama. Hora de ir dormir é hora de deitar, ficar quietinho e apagar a luz. Não tenho medo de traumas por ouvir um “não pode” ou “precisa esperar um pouco”, porque acho que eles precisam aprender a lidar com frustrações. Claro que não vivemos em um quartel general: eles escolhem o que querem fazer nas horas de brincar e participam de um monte de tarefas em casa só se quiserem – como regar plantinhas, por exemplo.

O livro é genial, gente. E vocês, mamães, têm alguma outra leitura para indicar?

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Palpites

Eu ia escrever que queremos educar nossos filhos com base no que acreditamos, que queremos fazer sempre o melhor, que queremos ensinar para eles todas as nossas preocupações com educação, respeito às outras pessoas, preconceitos, importância da família e dos amigos, sustentabilidade, cuidados com alimentação e outros blá-blá-blá, mas é mais sincero dizer que simplesmente queremos fazer as coisas do nosso jeito. Definir o “nosso jeito” não é fácil. Já tivemos e ainda vamos ter infinitas discussões, porque muitas vezes papai e mamãe têm opiniões diferentes. Também já mudamos de opinião, mesmo depois de termos decidido juntos fazer alguma coisa de um jeito.

E vou confessar (desculpa, pessoas queridas!) que me surpreendi e me incomodei com a quantidade de palpites que passei a receber depois que virei mamãe. Acho que não estava acostumada com tantos palpites, porque não me lembro, por exemplo, de ter recebido tantos conselhos e recomendações diversas quando estávamos organizando nosso casamento, comprando nosso apartamento ou decorando nossa casa.

Já me disseram para colocar nossos filhos para dormir mais tarde porque assim eles acordarão mais tarde, mas eu gosto que eles durmam às 20h para eu jantar tranquilamente com meu marido, mesmo que isso signifique acordar às 7h no dia seguinte – além de achar saudável dormir cedo e acordar cedo. Também prefiro curti-los no domingo de manhã, quando podemos tomar café na padaria, ir ao parque, visitar minha vó, ir no parquinho do prédio, do que ficar com eles no sábado à noite comendo pizza e vendo televisão.

Já me disseram que devo acostumá-los a dormir com barulho, o que para mim significa dormir com os barulhos que existem na minha casa (pessoas conversando na sala, televisão ligada, alguém tomando um banho) e não dormir em um show de rock. Não levo nossos filhos para a balada e, se um dia resolvesse levar, não tentaria fazê-los dormir na barulheira.

Já me disseram para acostumá-los a dormir no claro, mas eu passei a vida inteira (de novo, desculpa, amigos queridos!) odiando viajar com pessoas que precisam deixar uma luz acesa para dormir. Gosto de breu para dormir e acostumo nossos filhos assim também.

Já me disseram que é desnecessário escovar os dentes três vezes ao dia nessa idade porque os dentes vão cair, mas eu faço questão de escovar os dentes três vezes ao dia E passar fio dental neles uma vez ao dia também – mesmo que não fosse necessário (mas acho que é), acho que estou criando o hábito neles desde cedo.

Já me disseram para dar umas gotinhas de remédio quando nosso filho chora, mesmo antes de eu ter certeza se era um choro por dor ou doença ou se era outro tipo de incômodo. Já me disseram para nunca dar água depois de dar banana (?). Já me disseram que nunca é bom deixar andar descalço e também já me disseram para deixar só de fralda no calor – eu os deixo descalços em casa quase todos os dias e simplesmente não gosto de deixá-los só de fraldas. Já me disseram que o cabelo do nosso filho estava muito comprido (já cortei!), que não posso deixar de dar muita água no calor (juro que dou!), que eles estão pouco agasalhados (sou calorenta, demoro para perceber o frio!) e que nossa filha precisa usar brincos (concordo, mas prefiro esperar ter certeza que ela não precisará de mais nenhum exame no crânio).

Mas então, há pouco tempo, eu fiz uma coisas dessas. Uma mamãe me disse que dava suco de caixinha para seu filho e eu falei que ela não deveria dar suco industrializado por causa da quantidade de açúcar. Só percebi depois o que eu tinha acabado de fazer: eu dei palpite no “jeito dela” sem ela me perguntar o que eu achava. Tenho certeza que ela quer o bem do seu bebê e sabe o que está fazendo. Só depois que falei percebi que não fui legal e que ela também deve receber um monte de palpites sem pedir.

Recentemente estava conversando com uma das madrinhas dos bebês sobre a festa de dois anos. Ela tem uma filha de 4 anos e é adepta aos buffets infantis. Eu, por uma série de motivos pessoais, quero fazer a festa no salão de festas do prédio, escolher o cardápio e participar da decoração, mesmo que isso dê mais trabalho ou saia um pouco mais caro. E ela me escreveu que (conversa por whatsapp e e-mails): “Eu acho que você tem que sempre fazer o que o seu coração mandar quando o assunto é ser mãe! Pessoas diferentes têm valores diferentes, e obviamente criam seus filhos de maneira diferentes (…) Tenho certeza também que você vai continuar fazendo o que acha que é mais importante para eles, não importa o trabalho que isso for dar, ou o quanto for gastar. Acho que a festinha é um exemplo, entre tantos. (…) E acho que é nisso que a gente tem que se concentrar. Não importa o que os outros fazem. Importa o que a gente faz, e se a gente está com o coração tranquilo, sabendo que está tentando fazer o nosso melhor, então nada mais vai nos incomodar.”

Eu prometi para mim mesma nunca mais dar palpites, a não ser que a pessoa me pergunte alguma coisa. Também percebi os palpites são para ajudar, pois geralmente vêm de pessoas queridas que também querem o bem dos nossos filhos. Não consigo prometer que vou parar de achar chato (desculpa, pessoas queridas!), mas prometi que vou tentar não fazer cara feia para os palpites. Mas vamos continuar a fazer do nosso jeito, tá?

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