Babá e bagunça

No primeiro dia, eu estava na porta do prédio com a Cleide esperando os bebês e a perua. No segundo dia, vim para casa cedo, mas fiquei no apartamento enquanto a Cleide desceu sozinha para esperá-los. No terceiro dia que tinha uma reunião que terminaria às 18h e pouco e seria a primeira oportunidade para testar se todo o esquema tinha dado certo.

Antes de sair para ir para escola nesse dia, eu expliquei que eles iriam voltar de perua e que a Cleide estariam esperando os dois em casa. Que eles tinham que obedecer a Cleide e fazer tudo como fazem com a mamãe. No carro, retomei a conversa:

– Quem vai voltar de perua?

– Eu!

– Quem vai estar em casa esperando vocês chegarem?

– A Cleide!

– O que vocês vão fazer com a Cleide quando chegarem? (eu esperava uma resposta do tipo: “tomar leite”, “comer fruta”, “tomar banho”, “escovar os dentes”, ou algo assim)

– Bagunça!

Não. Não. Não. Nesse momento eu desenvolvi uma fobia. Medo de ter dois pestinhas que assustam todas as babás (acho que já vi um filme assim, não existe?).

Passei o dia mentalizando “Cleide, por favor, seja forte, não deixe os dois dominarem você”. Só liguei para ela para ter certeza que ela tinha chegado em casa para trabalhar e resolvi conferir o resultado da experiência só quando entrasse em casa. E passei o dia em um uorquixópi com um cliente, pensando na Cleide me dizendo: “eu só tenho medo mesmo de ter que dar banho nos dois sozinha”. O cliente discutia o novo maindiséti para entender seus clientes, e eu só pensava em como alguém pode achar difícil dar banho em duas crianças ao mesmo tempo. É tão fácil, pô. Liga o chuveiro, espera a água esquentar, tira a roupa da criança, pede para ela não fazer xixi ou cocô no chão (não desfraldei, às vezes dá nisso), molha a criança, lava o cabelo com xampu, enxágua, lava o corpo com sabonete, enxágua, passa condicionador no cabelo, enxágua, toma cuidado o tempo todo para a criança não escorregar no chão molhado e cair e bater a cabeça no chão e morrer, desliga o chuveiro, embrulha na toalha e enxuga. Ao mesmo tempo, presta atenção na criança que ficou do lado de fora do box, porque ela vai estar fazendo algumas das alternativas a seguir: 1) subindo no vaso e dando descarga, 2) subindo no vaso, abrindo a torneira da pia e se molhando inteira, 3) subindo na pia e tentando suicídio infantil, 4) puxando o rolo de papel higiênico e encenando aquela propaganda dos anos 80, 5) abrindo a tampa do vaso e pulando de cabeça lá dentro, 6) abrindo o armário ou gavetas e tirando todas as coisas para fora – o que inclui engolir produtos de higiene pessoal, 7) abrindo o cesto de lixo e brincando com papel higiênico usado, 8) brincando com alguma coisa que mamãe deu para ela se distrair (mas essa cena eu nunca vi). Quanto terminar, inverte as crianças e repete tudo isso só mais uma vez.

Eu me segurei e resolvi não ficar ligando para atormentar a moça – mais do que os dois já deviam estar atormentando – para fazer perguntas bobas do tipo: “você conseguiu subir com dois bebês e duas mochilas?”, “você conseguiu fazer os dois sentarem nos cadeirões para comer uma fruta?” ou “promete que não foge e não larga os dois sozinhos em casa até eu chegar?”.

Peguei trânsito. Cheguei ansiosa. Abri a porta da sala e entrei correndo. Encontrei os três sentados no chão do quarto, brincando, e foi muito legal. Foi muito legal porque ultimamente eles vinham me recebendo na escola com um ar de “mas já, mãe? não posso brincar mais um pouco aqui?” e sempre um ou outro entrava no carro fazendo birra. Ontem quando cheguei eles abriram sorrisos imensos e vieram me abraçar. Pediram para eu sentar para brincar também. A Cleide estava sorrindo também, então acho que ela não teve pensamentos suicidas.

Fiquei com eles até a hora de dormir e depois também fui pra cama. Feliz.

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