Não tive educação religiosa na infância. Meus pais me batizaram porque era padrão, mas depois não fui fazer catecismo, nem primeira comunhão, nada mais na igreja católica. Não me envolvi com nenhuma outra religião que existia na família. Deus existe na vida dos meus pais, mas não havia nenhuma “forçação” de barra para comportamentos muito religiosos.
O único momento em que me lembro de ter tentado conversar com Deus foi aos 12 anos. Eu já tinha menstruado pela primeira vez, mas os ciclos eram tão irregulares que não dava para prever nada e eu tinha uma competição de natação na escola dali a x dias. Com essa idade, absorvente interno não era uma opção, ou seja, se eu estivesse menstruada no dia eu perderia a competição E teria que contar para todo mundo algo muito íntimo pro meu gosto. Aí a única opção que eu achei foi a combinação rezar+fazerpromessa, um clássico. Comecei a pagar a promessa adiantado, como forma de mostrar meu comprometimento, e a rezar diariamente. No dia 3 tive um surto de lucidez e percebi que estava sendo ignorante, porque: 1) menstruar era algo do meu corpo e eu queria a ação de uma força sobrenatural para evitar uma coisa natural, 2) Deus devia ter coisas mais importantes para fazer do que cuidar de competições de natação de meninas de 12 anos e 3) que coisas mais importantes eram essas, já que a fome, a guerra e a pobreza continuavam no mundo? Abortei o plano e sinceramente nem me lembro se participei ou não da competição de natação. Só me lembro que comecei a questionar a existência de Deus, as rezas e os comportamentos religiosos depois desse episódio.
Levei anos, mais de dez, para formatar o que acredito hoje: Deus é uma invenção da humanidade. Invenção mal inventada, por sinal, porque as civilizações podiam ter, no mínimo, organizado um plebiscito mundial e inventado um único Deus – e boa parte dos conflitos que vivemos até hoje teriam sido evitados. Acredito que Deus foi inventado naquele momento em que alguém resolve pôr ordem e controlar um povo, e um ditador “humano” não é suficiente (até porque essas pessoas morrem ou são mortas). Tem aquele momento em que as pessoas querem organizar o que pode ou que não pode ser feito e sempre tem uma parte da população que discorda de algum ponto. Aí você inventa uma força sobrenatural superpoderosa, inatingível, invisível, superpotente e diz que todos serão castigados (no inferno, no julgamento final ou em outro momento de punição) se não seguirem as indicações do senhor. E assim Deus foi inventado em todas as partes do mundo como um eficiente mecanismo de controle.
Não acreditar em Deus não significa odiar as religiões ou achar que é bobagem acreditar. Não. Eu respeito e acho ok que elas existam. Existem pessoas que são antiteístas e sempre vão ficar irritadas quando pensam que grande parte das pessoas frequentam igrejas e acreditam em Deus. Eu não me incomodo com a crença dos outros e dificilmente entro em discussões sobre este assunto, porque não é meu objetivo convencer ninguém que Deus foi inventado.
Mas um belo dia eu virei mamãe e precisei pensar sobre como eu queria ver Deus na vida dos meus filhos. Eu vi duas opções: sair pregando loucamente que Deus não existe ou simplesmente viver como se Deus não existisse, que é justamente como eu vivi até eles chegarem. E decidi seguir a vida como ela era: Deus não existe, simples assim. Nós não rezamos, não agradecemos a Deus, não temos ensinamentos de Deus, nada, nada. Eles ouvem falar sobre Deus com familiares, amigos e na escola, mas nunca trouxeram esse assunto para casa, então até hoje nunca falamos no assunto.
Não falei no assunto até hoje porque não quero criar verdades absolutas e inquestionáveis na cabecinha deles. Mães têm um poder muito grande de influenciar suas crianças pequenas, porque tudo o que falamos é aceito como verdade e tudo o que pensamos é visto como a melhor forma de pensar. Eu poderia simplesmente dizer “Deus não existe, ele foi inventado” e eles iriam acreditar nisso por grande parte de suas vidas, se não pela vida toda, mas eu não quero ser ditadora da verdade. Prefiro tentar criar um ambiente onde assuntos polêmicos são tratados em um diálogo aberto, sem tabus, de forma natural, para que eles possam concluir o que quiserem concluir.
É óbvio que prefiro que eles sejam ateus como eu. Como mãe, só posso esperar que eles sigam um caminho sem invenções e também sem alguns ensinamentos duvidosos que algumas religiões pregam por aí. Mas eles não serão obrigados a não crer. Eu espero que eles questionem, analisem, discutam e cheguem a uma conclusão por eles mesmos, com um racional claro por trás disso – e meu papel vai ser sempre estar disponível e tratar o assunto abertamente e com clareza. Porque a parte mais legal de ser ateia é ter chegado a essa conclusão sozinha, sem pressão, com muitos amigos que ao longo dos anos toparam inúmeras discussões existenciais sobre Deus, então quero deixar o mesmo espaço para meus bebês.
[…] de rir. Nem sabia que esse negócio de criar filhos ateus tava indo tão […]