No dia em que completei 18 anos, fiz o exame psicotécnico para tirar carta. Tinha ido na auto-escola uns dias antes para não perder tempo.
Disputava o carro com minha mãe e com minha irmã durante a faculdade.
Assim que me formei e passei a ter salário, comprei meu primeiro carro. Achava que seria impossível ter uma vida profissional sem carro. Também achava que seria impossível ir morar sozinha sem carro. Morar sozinha era meu maior sonho, mas a primeira coisa que providenciei na vida foi um carro.
Até ter filhos, fiquei casada por quatro anos e tínhamos dois carros. Uma casa, duas pessoas, dois carros.
Durante uns três anos, meu escritório ficava a uns dois quilômetros do escritório do marido. Mas eu ia com meu carro e o deixava parado na garagem o dia inteirinho.
Eu era do tipo que ia na padaria de carro. Achava impossível viver sem carro. Lembro de uma vez que uma colega de trabalho européia que estava chegando ao Brasil me perguntou se ela deveria pensar em comprar um carro e eu respondi que “claro que sim, né? Como é que alguém vive em São Paulo sem carro. Impossível.”
Deixar o carro uns dias na revisão era um sufoco. Achava que não dava para ir trabalhar, que ia morrer de fome sem conseguir comprar comida, que ia precisar ir correndo para o hospital e que não teria como chegar lá. Nos dias de rodízio, eu saía de casa para trabalhar às 10h e só voltava depois das 20h, porque meus horários precisavam se adequar aos horários do meu carro.
Soma-se a tudo isso uma pessoa que detesta dirigir. Quanta babaquice na vida, hein?
Aí bateram no meu carro no mês passado e eu me libertei.
Contratei a perua para os bebês. Comprei um bilhete único para mim. Troquei os saltos por sapatilhas, a mochila de rodinhas por uma mochila de colocar nas costas. Comecei a usar o e-commerce do supermercado e recomendo inclusive para aqueles que têm carro: nada mais lindo que sua lista de compras sair do computador diretamente para os armários de sua casa. Nesse meio tempo, minha filha me premiou com duas crises de dor de ouvido e tivemos que correr para o hospital. De taxi, tranquilamente, sem problema algum. Num outro dia, precisei fazer várias coisas em vários lugares com eles e aluguei um carro. No mais, andamos a pé ou de transporte público, e às vezes pegamos uma carona.
E descobri que sou mais feliz assim.
É mais saudável, porque ando muito durante o dia. É mais sustentável, porque não poluo o ar. É mais barato. É menos estressante, porque não pego trânsito e o tempo para chegar em casa é totalmente previsível. É mais livre. É bem melhor.
E meus bebês estão aprendendo um monte de coisas. Estão aprendendo a andar na rua, a atravessar a rua, a tomar cuidado com os carros. Estão aprendendo a esperar o ônibus certo no ponto e a ter paciência e esperar a nossa vez de entrar. Estão aprendendo que temos que pagar a passagem e que temos que segurar firme para não cair. Eles não estão mais trancados no ar condicionado do carro, mas estão vendo as pessoas, a rua e como as coisas funcionam. Estão conhecendo o mundo, sabe? Acho mais legal.
PS: não posso deixar de elogiar. Corredores e faixas de ônibus são a coisa mais linda desse mundo. Eu me delicio demais sentadinha no busão que anda a 150 km/h olhando os motoristas dos carros paradinhos no trânsito bem ao meu lado.