O menino acordou atacado. Quando fui chamá-lo, ele não deu “bom dia”. Primeiro deu uma resmungada sobre querer dormir mais, depois pulou da cama na direção da estante de livros porque queria levar um livro para a escola.
Sim, esse interesse por livros é fofinho. Sim, a escola permite que eles levem livros e revistas para que as tias leiam para eles nos horários de recreação. Mas nós temos regras em casa: 1) não pode levar livros muito novos (porque eventualmente o livro volta destruído), 2) não pode levar livros de estimação (tenho meus livros infantis guardados há mais de 30 anos e eles não saem daqui nem a pau, 3) não pode ser muito grande (porque não cabe na mochila) e 4) nem muito pesado (porque vamos e voltamos da escola a pé). Dito isso, eu selecionei algumas opções que se enquadram nas regras e deixei ele escolher.
Mas ele queria brigar.
Ele queria aquele velho mas pesado, aquele grande mas levinho, aquele outro novo mas que ele ia cuidar bem. Isaac, eu já tinha te dado as opções e você ia ter que escolher entre aquelas.
“Especialistas” em comportamento infantil vão dizer “você devia ter dito que não ia levar nenhum e pronto” ou “você devia ter deixado ele levar qualquer um”. Mas a criança tava a fim de brigar, ia sair treta de qualquer jeito. Ele achou ruim as opções que eu dei, teria achado tão ruim quanto não levar nada, e teria demorado séculos para escolher alguma coisa se eu deixasse livre (Isaac não é lá muito decidido e geralmente tem treta porque ele demora pra escolher, não aceita sugestões e depois fica trocando o brinquedo antes de sair de casa e é um saco).
Enfim, era dia de tetra no matter what. Quando ele percebeu que não ia ganhar e que teria que escolher entre as opções que eu dei, ele partiu pra agressão.
Mano, como dá raiva ver a sua criança te xingando e falando palavrões. “PUTAQUEOPARIU VOCÊ É UMA IDIOTA” e “EU NÃO VOU TOMAR A PORRA DO CAFÉ DA MANHÔ foram algumas dessas agressões. Dele, só pra deixar claro.
O que mais odeio na maternidade é sentir raiva. Todo o resto é gerenciável (as contas pra pagar, o trabalho, as preocupações, a privação de liberdade). Mas sentir raiva de criança é enlouquecedor. Porque é assim ó: 1) dá raiva mesmo e 2) eu me sinto muito imatura já que sou o adulto da relação e deveria me controlar e nem sempre consigo e o sentimento que vem é raiva.
Não tô falando de irritação ou cansaço por coisas do dia a dia, tô falando daquela raiva que dá e que te faz pensar se existe uma forma legal de jogar fora e nunca mais ter que ver a criatura.
Mas a gente tem que ser madura.
Se fosse um namorado fazendo o que Isaac fez ontem, eu teria terminado ali mesmo para nunca mais voltar, mas é meu filho e não tenho essa opção (infelizmente).
Tudo isso às 6h30 da manhã, mano.
Aí vem a pior parte: ele tinha que ir para a escola. Não só ir para escola, ele tinha que passar o dia lá e ficar bem na escola. Porque se ele segue o nervosismo, a irritação e as agressões na escola, a coordenadora iria me ligar e estragar ainda mais meu dia – isso se não me pedissem para buscar a criatura que eu já não queria mais ver naquela hora. Eu ia me ferrar mais ainda. Tudo o que eu queria era jogar a criança portão adentro da escola e correr dali. Queria aquelas horas longe do ser para curar minha raiva e meus pensamentos de como sair daquela relação. Eu sinceramente não queria desculpá-lo, eu não queria lidar com aquilo, queria só que ele sumisse.
Mas eu tive que passar por cima de tudo o que eu estava sentindo e, quando ele acalmou e pediu desculpas, eu tive que fingir que tava tudo bem, que eu entendia e que desculpava, apenas para que o ser entrasse na escola minimamente recomposto e me deixasse em paz.
Eu sei bem que ele tem 6 e eu tenho 36, e que é difícil para ele controlar emoções e frustrações, mas ontem eu me senti o mais puro saco de pancadas. E precisar desculpar forçadamente apenas para conseguir ficar longe dele foi muito difícil, porque fez a minha frustração com a situação aumentar.
Nossa, mano, como é difícil sentir raiva.