“Mas como assim você namora há um ano e oito meses e ainda não apresentou o namorado para as crianças?”
Pois é. Estou namorando há um ano e oito meses sem que meus filhos saibam disso. Levo uma vida dupla, literalmente. Como eles não acessam redes sociais, não vão descobrir sozinhos, e também espero que ninguém conte para eles antes de eu resolver contar (faço briefing com todos os meus amigos constantemente sobre isso). Eles na verdade o conhecem, sim, como um amigo da mamãe. Mas não o amigo da mamãe que aparece em todos os eventos e dorme em casa misteriosamente. Eles se viram algumas poucas vezes nestes meses todos, sem nenhuma intimidade muito grande. Tão pouco que nem daria para desconfiar.
Antes de explicar o “como assim”, vou dedicar um parágrafo para dizer que eu namoro uma pessoa maravilhosa e que a decisão de não apresentá-lo para meus filhos não tem nada a ver com ele. Meu namorado é a melhor pessoa que poderia ter aparecido para mim. Eu poderia contar várias coisas sobre ele, sobre a relação, sobre afinidades, sobre a conexão que temos, mas vou escolher uma: ele ficou ao meu lado durante o câncer. Ele não apenas comprou o pacote assustador da mãe solteira de duas crianças pequenas e um cachorro com dois divórcios no currículo, nenhum emprego fixo e um câncer recém-operado, como abraçou também a recidiva, a cirurgia, o tratamento e tudo mais. (Quando alguém me fala que namora uma mãe solteira e leva junto o pacote completo, saiba que pacote completo é aqui). Voltando. Eu recebi um segundo diagnóstico de câncer, optei por operar as duas mamas e foi b.e.m.d.i.f.í.c.i.l. Tá sendo ainda. Mas ele veio, eu nunca pedi e ele nunca cogitou não estar aqui para mim. Quando fiz a cirurgia e as crianças foram passar um tempão com o pai até que eu fosse capaz de cuidar delas de novo, meu namorado fechou o apartamento dele, se mudou para o meu e viveu comigo a fase mais punk da minha vida e da vida dele. Tudo, gente: me ajudar a levantar e deitar, cozinhar, lavar, limpar, me trocar, fazer supermercado, ver o cachorro, tudo. Eu nem sei que outra pessoa teria sido enfermeira, babá, cozinheira, faxineira, arrumadeira desse jeito para mim. Eu nem sabia que um dia alguém iria me amar tanto a ponto de parar tudo para cuidar de mim. Eu nem sabia, aliás, que o câncer poderia trazer lembranças tão boas para mim, que é lembrar dessa época (tirando a dor toda. e a limitação de movimentos. e o soutien pós-cirúrgico bege). Enfim, meu namorado é incrível, continua sendo.
Acontece que minha principal missão nessa vida é cuidar dos dois monstros que adotei. E Isaac e Ruth já passaram por muitas rupturas, mais que eu gostaria que eles tivessem passado. Tiveram os cuidados da mãe biológica por alguns meses até se separarem dela para serem abrigados. Viveram no abrigo quase um ano até que papai e mamãe os trouxessem para casa. Aí nos separamos. Aí entrei em um outro relacionamento, e me separei de novo. Aí tive câncer duas vezes, e por duas vezes eles foram viver mais com o papai que comigo, porque eu não estava boa. Mudaram de casa comigo, estão na terceira escola da vidinha deles. Eu não quero causar mais nenhuma grande mudança na vida deles, não se eu puder evitar.
Eu tenho uma bronca muito grande de mim mesma pelo meu segundo casamento. Eu apresentei este namorado para meus filhos muito rápido por N motivos. Entre eles, eu achava que eu tinha que incluir as crianças na minha vida e deixá-los fazer parte de coisas que me faziam feliz. Eu também achava realmente f-o-d-a fazer as coisas sozinha com os dois e queria alguém que me desse uma mão – ou as duas mãos – na hora de passear, comer fora e viajar. Eu queria um apoio moral na maternidade solo, pra dizer bem a verdade. No fundo, eu ainda vivia o luto do sonho interrompido da família margarina e queria casar de novo, ter tudo aquilo que eu tinha perdido de novo. Só que deu tudo bem errado, o relacionamento deixou um saldo bem negativo para minha vida e é uma pessoa que não quero ver nunca mais, de quem agradeço muito por ter me separado exatamente na época em que resolvi me separar. Mas ele se separou de mim e nunca mais quis saber das minhas crianças (nunca um telefonema, um convite para cinema ou um presentinho em data especial, nada) e isso me deixa com sentimentos confusos: por um lado acho bom porque eu mesma não queria que eles mantivessem contato nenhum; por outro lado me culpo muito por ter feito meus filhos viverem tanto tempo ao lado de alguém que simplesmente não quis saber mais deles. A bronca que eu tenho de mim mesma é não ter evitado, de não ter feito diferente, de ter deixado meus pequenos se apagarem a alguém ruim. Mas ruim para mim, talvez não para eles. Aí que está a questão.
Hoje eu passei a ver meus filhos como pessoas independentes de mim, que não necessariamente precisam se relacionar com quem me relaciono. Meu namorado é uma pessoa extraordinária, mas é meu namorado, meu relacionamento, que pode terminar, ou mudar, ou brigar, ou sei lá, e eu quero que isso seja uma coisa minha, não das crianças. Eles poderiam se dar bem, mas também poderiam não se dar bem. Contar que a mãe está namorando não é apenas nice to know, mas implica criar um relacionamento entre eles, que é algo que não acho que eles precisam. Eles precisam se preocupar com a vidinha deles, com a família e amigos que já têm, com a escola e os cursos, e não precisam se preocupar em entrar junto comigo no meu relacionamento. Não vejo nenhuma necessidade nisso. E eu também quero namorar sabendo que se acabar eu não vou fazer outro relacionamento dos meus filhos se romper. Quero a liberdade de namorar sem que eles saibam junto com a liberdade de repente não namorar mais.
Então, sim, eu vou com calma daqui pra frente e não me vejo contando que namoro para eles nos próximos anos. Não tem por quê. Minha vida com as crianças é só nossa: a rotina é de nós três, os finais de semana são nossos, todos os compromissos deles, os passeios, nossas férias, somos só nós três. Quando eles vão para casa do pai, eu vou viver a vida dupla, que inclui o namorado, mas também inclui o emprego em outra cidade e minha vida de adulta. E a gente concilia tudo tão bem nessa vida dupla que não tenho por que mexer. Sei que Isaac e Ruth serão mais felizes assim. E quanto ao namoro, às vezes dá saudades, mas matar saudades é muito bom, certo?
Ruri, não importa o assunto, eu amo os seus textos! ❤
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