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Adaptação dos bebês

Essa semana vamos comemorar dois meses com nossos bebês e estamos pensando muito sobre a adaptação deles na nossa família. Nós não temos dúvidas que eles se adaptaram rapidamente a viver conosco. É fácil se sentir bem e gostar de quem cuida com carinho, brinca, dá comidinha e deixa quentinho.

A parte mais difícil da adaptação foi uma coisa comum em qualquer outra família: sair da rotina. Institucionalizados desde o nascimento, eles saíam do abrigo apenas a cada um ou dois meses para ir ao pediatra. Os demais dias eram muito parecidos, sempre no abrigo, seguindo a rotina que contamos aqui. Quando viraram nossos filhos, nós começamos a fazer coisas que todos os papais fazem com seus bebês – andar de carro, passear, visitar pessoas, ir ao parque, ir ao shopping, comer em restaurantes – e eles ficavam bastante estressados cada vez que uma refeição ou horário de soninho atrasava ou acontecia fora de casa.

Eles não choraram no carro quando viemos do abrigo para casa, mas choraram muito no carro todas as vezes que saímos nas três primeiras semanas. Passamos a maior vergonha na primeira vez que os levamos ao supermercado, um dia que decidimos comprar meia dúzia de coisas pouco antes do horário de almoço deles. Logo que chegamos, nossa filha fez cocô e eu precisei trocá-la no banco do carro, o que a deixou super brava (não, não tem um lugar decente para trocar fralda no Pão de Açúcar). E, sim, o cocô sujou a calça dela e, não, eu não tinha levado outra calça, então ela teve que ficar só de fraldas no supermercado (e nesse dia aprendemos a sempre ter uma roupa limpa na bolsa para eles). Depois disso, como estava com fome, nosso filho abriu o maior berreiro do mundo. Não era simplesmente um choro alto. Dias antes eu tinha o levado para fazer exame de sangue e ele chorou bem alto enquanto as enfermeiras faziam a coleta. No supermercado, ele esgoelou como se não comesse há 60 dias e chegou a ficar roxo. Todo mundo ouviu, muitas pessoas vieram ver o que estava acontecendo e nós tivemos que sair correndo de lá, morrendo de vergonha, e ele só parou de berrar quando começou a comer em casa. Ficamos imaginando as pessoas pensando porque pais de crianças de mais de um ano ainda não tinham aprendido a levar troca de roupa ou a fazer o filho se acalmar.

Aos poucos eles foram ficando mais flexíveis e perceberam que, mesmo que demore, eles vão comer, dormir e voltar para casa. Parece que começaram a entender os dias de semana, quando papai vai trabalhar e eles seguem uma rotina com a mamãe, e os finais de semana, quando saímos todos juntos, fazemos coisas diferentes e os horários mudam um pouco. No último final de semana fizemos várias coisas com eles e ficamos super felizes que eles choramingaram pouco, não ficaram muito impacientes e se divertiram bastante: fomos comprar algumas roupinhas, passeamos no shopping, almoçamos e jantamos em restaurante no sábado, visitamos uma das vovós e jantamos na casa de uma das madrinhas no domingo. E há poucos dias conseguimos fazer uma outra coisa que qualquer outro papai faz facilmente: carregar nossos filhos dormindo do carro até em casa e colocá-los na cama. Agora eles já se acostumaram com o cheiro e com o toque e confiam em nós até dormindo!

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O que pode acontecer depois da chegada

Em uma das reuniões do GAASP (Grupo de Apoio à Adoção de São Paulo) que participamos, o palestrante disse algo assim: “imagina que um dia você tentou atravessar um abismo por uma ponte e esta ponte cedeu. Na próxima vez que você precisar atravessar o abismo por uma ponte parecida, antes de iniciar o trajeto você certamente vai testar bem a ponte: vai balançar muito e dar pisadas fortes, antes de ter certeza que ela é segura e que você pode atravessar tranquilamente. A mesma coisa acontece com as crianças que foram separadas de suas famílias de origem”.

Uma das principais coisas que aprendemos com os grupos de apoio, em reuniões do GAASP e do GEAA-SBC (Grupo de Estudos e Apoio à Adoção de São Bernardo do Campo) foram as reações e comportamentos que podemos esperar (e nos preparar) de nosso filho. É claro que cada criança sente e reage de um jeito e eles não nos disseram que necessariamente vamos passar por essas situações. Mas nos ensinaram que são reações normais e esperadas e que devem ser tratadas com carinho e paciência.

Teste: testar os pais é uma reação parecida com a história da ponte que já cedeu uma vez. A criança estava abrigada e sabia que era uma situação provisória; depois passa a viver com uma nova família, que conhece há pouco tempo. Ela pode se lembrar da separação da família biológica ou já ter passado pela dor de uma devolução. Ou pode ter acompanhado a dor de colegas de abrigo que foram separados de suas famílias biológicas ou que foram devolvidos por famílias adotivas. Essas experiências podem gerar insegurança e medo de uma nova rejeição e o “teste” pode ser uma forma inconsciente de pedir uma prova de amor, para ter certeza que pode se apegar sem medo de ser machucada novamente. Por outro lado, para os papais, os testes serão exercício de paciência, dedicação e sabedoria, para enfrentar birras, bagunças e desobediência mostrando amor e impondo limites.

Regressão: muitas crianças passam a ter comportamentos incompatíveis com a idade quando são adotadas, como por exemplo, voltar a fazer xixi na cama, pedir mamadeira ou falar como bebês. Eles podem ser causados por ansiedade ou também como uma forma de preencher uma parte da história delas que foi rompida, como se a criança quisesse passar com os papais adotantes por fases anteriores à chegada na nova família. Faz parte da construção de vínculos e a criança nunca deverá ser humilhada ou repreendida por tais comportamentos. E faz parte do papel de papais adotantes saber suprir essas necessidades, também com limites, claro.

Grude: não queremos dizer que os cuidadores do abrigo não cuidam bem das crianças. Mas por mais que as crianças abrigadas estejam alimentadas, limpas, quentinhas e recebendo atendimento individual, elas entendem que a situação é provisória e que estão longe de uma família. Ou seja, são carentes. E vão precisar de atenção, pedir colo, querer carinho dos papais adotantes. Pode parecer óbvio, mas já ouvimos duas histórias absurdas de pais adotivos que devolveram crianças que eram muito “grudentas”.

Mas, no fim… não tem receita de bolo para resolver. Precisa de amor e paciência. Precisa também saber procurar ajuda, caso os papais adotantes percebam que não sabem lidar com os problemas sozinhos. E, depois, mais uma grande dose de amor e paciência.

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