Primeiro vou começar dizendo que não gosto de dizer que sou vegana, porque tem muita chatice envolvendo a palavra veganx. Não só dos veganxs que advogam pela causa e começam brigas por aí, mas também dos não-veganxs que começam com piadinhas ou perguntinhas do tipo “mas e essa alça da sua mochila não é couro?” ou “mas então você não vai ao cinema já que a película XPOT de não sei o que é feita de pele de carneiro?” ou “mas que exagero não comer a batata só porque foi passada na manteiga”. Eu não uso o rótulo pelo direito de fazer minhas escolhas. Então não sou vegana. Eu sigo uma dieta plant-based, com base em plantas, sem nada de origem animal (nem peixe, nem ovos, nem queijo). Eu só uso a palavra veganx se for realmente facilitar a compreensão da pessoa com quem eu estiver precisando me comunicar para conseguir comer algo.
As minhas escolhas com relação a alimentação não têm a ver apenas com os produtos de origem animal. Eu também priorizo orgânicos quando vou ao supermercado, não consumo adoçantes químicos ou glutamato monossódico, prefiro não comer soja transgênica, evito glúten, evito açúcar refinado, não tomo refrigerantes. São várias escolhas, que não passam só pelo sofrimento animal – que para mim é uma questão importante – mas que consideram também meio ambiente e minha saúde – outras duas questões importantes.
E não são só as escolhas sobre alimentação, porque fiz várias outras escolhas na minha vida adulta: não ter carro e priorizar transporte público ou bicicleta na maior parte dos deslocamentos, usar sacolas reaproveitáveis no supermercado bem antes de começarem a cobrar pelas sacolas plásticas, usar apenas vidros para armazenar alimentos, ter uma composteira em casa, separar o lixo, usar cosméticos naturais, usar limão, vinagre e bicarbonato na limpeza da casa etc. São várias escolhas e não existe um rótulo específico para elas. São escolhas.
Parar de comer alimentos de origem animal foi difícil e foi um processo longo, de uns cinco anos. Resumindo: eu primeiro quis ser vegetariana e no começo eu morria de fome, me sentia fraca, achava estranho não comer carne no almoço. Depois consegui cortar carne vermelha e frango mas achava muito penoso não comer sushi de salmão e passei um tempo sendo ovo-lácteo-sushi-vegetariana. Aí eu percebi que não fazia sentido não comer a carne da vaca e consumir o leite, que também gera um sofrimento absurdo e tive minha primeira tentativa de veganizar, e falhei. Falhei porque dá trabalho, tem que organizar muita coisa. Quando você é vegetariana, em qualquer restaurante vai ter pratos sem carne e entradas e sobremesas para você comer. Você entra numa padaria no meio da tarde e pede um pão de queijo ou come um bolo no coffee break do workshop. Você vai na casa de qualquer pessoa e avisa que não come carne e recebe uma massa recheada com queijo e molho branco e tá tudo certo. Cortar os derivados de leite deixa a vida mais difícil. Aí durante um bom tempo eu fui “preferencialmente vegana”, ou seja, em casa cozinhava tudo só a base de plantas e, se ia num buffet, comia só as coisas veganas (arroz, feijão sem bacon, legumes e verduras), mas eu comia a pizza com queijo na casa do meu pai, a massa que o amigo cozinhava e as bolinhas de queijo na festinha infantil. Mas aí este ano eu escolhi não comer mais nada de origem animal e o meu último argumento para mim mesma foi minha saúde, ou seja, o câncer. E eu parei um dia definitivamente.
Parei definitivamente e não lamento não comer derivados do leite, não sinto falta de queijos ou sobremesas. E comprei o trabalho que essa escolha me dá. Eu ando todos os dias com uma despensa de snacks na mochila para não passar fome entre as refeições, porque lanchonetes e coffee breaks nunca são vegan friendly. Eu sou consultora e ando por aí em clientes diferentes e nunca sei direito onde vou comer, e aprendi que eu preciso saber disso antes. Tão importante como saber o endereço do cliente para eu conseguir chegar lá, é perguntar sobre opções de alimentação. Eu abro Google Maps e pesquiso, eu pergunto para o próprio cliente, eu levo marmita se precisar. Geralmente qualquer restaurante por quilo me deixa feliz, mas já levei marmitas para worklunchs e foi ótimo. Eu consulto regularmente minha nutricionista, cozinho muito em casa e já aprendi que antes de viajar preciso saber onde comer no lugar para onde estou indo também. Para minha viagem de férias em janeiro, já abri o mapa da cidade para onde vou e marquei 200 opções de restaurantes para ser feliz e não brigar com o namorado porque fico entrando, pedindo cardápio e saindo de restaurante que não é flexível comigo. Mas foi uma escolha e estou feliz com ela, bem feliz.
E estou repetindo a palavra escolha por dois motivos, a saber:
Motivo 1:
Eu acho que cada um faz o que quer. Eu realmente acho isso. Então eu como o que eu quero e respeito as pessoas que não comem glúten, que não comem carbo, que não comem salada ou que fazem qualquer tipo de dieta, ou que não restrinjam nada e comam qualquer coisa. Cada um faz o que quer. Se eu acho que o mundo seria melhor se todas as pessoas fossem veganas? Faz parte da minha escolha achar que ser vegan é melhor para o planeta, sim, mas eu preferia que antes as pessoas parassem de falsificar carteirinha de estudante e cometer pequenas corrupções do dia a dia.
Motivo 2:
É aqui que entra a maternidade não-vegana. Eu não acho que meus filhos TÊM QUE ser veganos, eu acho que eles têm que escolher. Eu sou mãe deles e isso não me faz dona deles nem das decisões deles. Eu mando no cachorro, isso eu mando mesmo, então Ernesto come ração vegetariana porque eu escolho isso para ele, já que sou eu que pago e sou que compro, então, foi mal Ernesto, mas vai ser do meu jeito. Mas eu não mando nos meus filhos. Eu tenho um papel de criar, de educar, de mostrar o mundo, de discutir as minhas escolhas e as escolhas dos outros. Eu quero, sim, que eles tenham informação e argumentos para que possam escolher bem. Mas eu não restrinjo o que eles comem. Eu cozinho refeições em casa sem nada de origem animal porque eu vou comer junto com eles, mas eles comem o docinho que alguém nos deu e que tem leite, eles vão em festinha e comem o que quiserem, eles se alimentam como acham melhor na escola ou na casa do pai. Eu prefiro que eles não tomem refrigerante nem fiquem se entupindo de balas e pirulitos cheios de corantes e adoçantes a achar ruim se eles comerem um bife por aí.
Isso tudo não vale só para alimentação. Recentemente Isaac comentou com uma amiga uma conversa que tivemos com o tema “FOI GOLPE SIM”. Essa amiga, com uma opinião política diferente da minha, disse para ele que não iria falar sobre isso com ele, porque pensava diferente da mamãe. E eu encorajei o contrário. Eu disse que achava mais produtivo ele entender que é questão de opinião, que as pessoas interpretam as coisas de forma diferente e que temos que respeitar e também escolher uma posição. Então tudo bem alguém com opinião política diferente falar sobre isso com meu filho.
E dentro do motivo 2 está o fato de eu não ser assim tão altruísta. Sabe todo o trabalho que eu mencionei acima, de carregar lanchinhos e marmita para a festinha? Eu contrato os lanches e refeições da própria escola e acho o máximo quando alguém nos convida para jantar e não tenho que cozinhar para eles. Eu não vou comprar esse trabalho todos por eles de forma voluntária, só vou comprar esse trampo se eles escolherem, por vontade própria, não comer mais nada de origem animal. Até isso acontecer, se isso acontecer, eu acho mais fácil que eles comam o sanduíche com queijo que a escola oferece no lanche que ter que preparar todos os dias duas lancheiras para os dois. Não sou assim tão legal. 😊
E eu comprei panetone vegano e não pretendo dividir com ninguém. Tem um Bauducco aqui para quem – filhos e/ ou namorado – reclamar que não ofereço panetone.